RELEVANCIAS
DOS TEMPOS DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA
Eu nasci em
Junho de 1944. A nível local a primeira personagem de que me recordo ligada ao
Estado Novo é o Presidente da Câmara, António Bento e o seu companheiro de
jornada, o Zé Bento (José Fernandes Bento).
O António
Bento inicia a sua tarefa de representação do Estado Novo no Concelho de
Peniche em Agosto de 1949 e leva essa missão até Julho de 1961. Representa isso
para mim, um período que vai desde os meus 5 anos até aos 17. Abrangendo pois a
parte da minha adolescência em que se formam os meus princípios e formação,
religiosa, politica e social. Em parceria com ele sempre o seu irmão, figura
ímpar da nossa praça.
Talvez
mereça a pena recuar um pouco no tempo para conhecer melhor estas personagens.
Nados e criados no vizinho Concelho da Lourinhã, filhos de figuras com alguma
relevância local, cedo se apercebem que Peniche e o seu Concelho em
desenvolvimento latente, representam um meio eficaz para o seu crescimento
social e económico. Instalam-se ambos no comércio local em firmas de figuras
locais conceituadas e preparam de forma inteligente a sua ascensão. Ambos
namoriscam e acabam por casar com as filhas dos seus patrões, interpretam as
figuras dos católicos convictos, aderem às camadas sociais em desenvolvimento e
a breve trecho são figuras representativas das forças políticas em exercício,
primeiro a União Nacional e posteriormente a Acção Nacional Popular máscara
renovada do que de mais podre a politica Salazarista produziu. Ambos
comerciantes em ascensão, o José Fernandes Bento mais vocacionado para o sector
económico e o António da Conceição Bento para os sectores político, social e
religioso.
A breve
trecho o António ascende na UN e acaba por ser convidado seu dirigente local e
de seguida para o inicio de um longo mandato como Presidente da Câmara do
Concelho menos desenvolvido do Distrito de Leiria. No Concelho de Peniche na
década de 50 não existe rede viária digna desse nome, a escolaridade vai em
alguns casos raros até à 6ª classe e, os filhos dos mais abastados cedo eram
colocados em Colégios ou instituições exteriores ao concelho. Não existia rede
de esgotos domésticos, e a rede de distribuição de água era limitada a alguns
(poucos) mais importantes filhos da terra. É importante referir aqui que a
relação do poder político com o poder religioso se foi estreitando e
desenvolvendo, constituindo uma dupla sempre visível o Padre Bastos e o António
Bento.
A
constituição da Fortaleza de Peniche como prisão do Regime do Estado Novo traz
com ela forças militarizadas e repressivas do Estado Novo, como a PIDE, a
legião, GNR, PSP e Guarda Fiscal. A decadência económica de largos grupos de
membros da população, levam o Padre Bastos e o António Bento a tentarem e
conseguirem prover algumas melhorias que conferissem a Peniche algum aspecto
mais actual. É assim que surge uma rede de esgotos na Vila, uma rede viária a
ligar Peniche aos concelhos de Caldas e Lourinhã bem como no interior do
próprio Concelho. Na segunda metade dos anos 50 de século XX consegue-se aqui
criar uma Escola Industrial e Comercial que permitissem alargar um pouco uma
visão mais enriquecida do desenvolvimento local. Surge ao mesmo tempo a
representação do Stella Maris e algumas Fábricas de Conserva ajudam a uma
economia local de subsistência. E no meio disto tudo onde para o Zé Bento? Esse
vai subindo no crescimento local da UN, criando um grupo de lacaios que o
acolitam e se tornam seus braços de ferro. Aproveitando o conhecimento que vai
tendo através da Câmara Municipal que o irmão dirige, torna-se detentor de um
parque imobiliário digno de registo.
Os filhos
do António Bento vão estudar para Lisboa e um obtém a licenciatura em Medicina
vindo a tornar-se um cirurgião plástico de nome reputado e o outro licencia-se
em Engenharia Química pelo IST. Uma das
filhas do Zé Bento licencia-se em ciências Fisico-Quimicas pela Faculdade de
Ciências de Lisboa e a outra acabou por ser esposa de mais um Lourinhanense
aqui acolhido, mas que já não teve o êxito do seu sogro.
Pós António
Bento surge no poder politico como figura representativa um filho da Atouguia
da Baleia a que se lhe seguiu o representante de uma das famílias mais
conceituadas da Vila. È com António e Zé
Bento que termina uma época das mais negras deste Concelho e da miséria em que
as suas populações viviam, mas em que ao mesmo tempo existiam perante as
figuras que se lhes impunham pelo poder, repressão e domínio que representavam.
Detendo ao mesmo tempo forças policiais ou para/policiais que lhes davam a
cobertura necessária.
É desse
tempo um poema (dos mutos) políticos que escrevi e que foi mesmo publicado no
“Diário de Lisboa – Juvenil”:
BENTUS
Rastejantus
mais
quebrantus que turcentus
ou
turcentus que quebrrantus
conforme os
pesus cimentatus se venderem
eis que vus
apresentus:
Ser que ser
ser não é
rastejantus
quebrantus
truvejantus
eis bentus
que aqui
vus tragus
para todos
intragatus