quarta-feira, agosto 14, 2019


TER OBRAS EM CASA
É do mais desagradável que existe. Não somos ninguém. Não temos onde estar. Onde pisar. Não sabemos onde está nada. Em uma divisão ou duas divisões acumulamos em o que é da casa toda. Os cheiros. Tornamo-nos párias no nosso próprio espaço. E falta-nos capacidade de perceber o porquê de tudo isto. Mesmo que no fim tudo se torne mais suportável.
Para quem tem o hábito de fazer da casa a sua janela para o mundo, ver essa janela fechada é como cegar.
Julgo que estes dias de exílio estão a terminar. Mas até lá, salvo instantes fugazes e um deles é este, resta-me esperar por esses melhores dias.

segunda-feira, agosto 12, 2019


10 DE AGOSTO: - DIA DA PROCURA DE PÁTRIA
No sábado passado fui à missa. A epístola falava da procura do homem pelo seu lugar.
No entendimento bíblico todo o Homem tem o seu lugar o qual ninguém o pode impedir de alcançar. Refere-se ao Paraíso que todos devem procurar sem barreiras nem impedimentos. O padre que fez a homília referiu-se a isto mesmo no que diz respeito às migrações e aos imigrantes.
Os portugueses que por razões mais que óbvias escolheram o caminho da imigração em vários períodos da sua história recente (e não só), deveriam perceber como poucos essa necessidade da busca de um paraíso.
Quem tem Fé tem uma dupla razão para compreender essa necessidade. O actual papa fala sobre isso. No entanto, países que se dizem de cultura cristã ao desumanizarem o seu comportamento perante os refugiados e os carentes, abrem caminho à torpeza e à indignidade. Podíamos fazer um apelo a que esses países não façam parte das opções de férias ou de visitas. Mas se o próprio concerto de nações aos quais pertencem o aceita como sugerir essa atitude?
Itália é singular nesse capítulo. Durante anos milhares de italianos procuraram refúgio e trabalho nos Estados Unidos. Agora é Itália quem fecha as suas portas.
Os países da Europa de leste que durante muitos anos pediram a solidariedade dos povos de todo o mundo face à opressão de que se diziam vítimas, agora comportam-se como os seus próprios torcionários.
É extremamente difícil transmitir valores de fraternidade e humanismo às novas gerações.
 

terça-feira, agosto 06, 2019


EU E AS FÁBRICAS DE CONSERVAS

Um destes dias vi passar na SIC uma notícia (reportagem) sobre as conservas de peixe no Algarve. Isto fez-me regressar a uma parte das minhas origens. Se pelo lado do meu pai tudo tem a ver com Peniche, pelo lado da minha mãe existem várias regiões do país que se cruzam. Baião no Norte, Setúbal e Nazaré.

O pai da minha mãe (Manuel Pinto Monteiro) era soldador e foi aparar a Setúbal nessa qualidade para a soldadura manual das latas de conserva.
o meu avô materno, Manuel Pinto Monteiro
Casou lá com Maria Dionísia dos Anjos de quem teve 3 filhas. Tornou a casar e vieram mais 2 filhas. Entretanto com o aparecimento das máquinas de soldar latas automáticas, (nos anos 30 do séc. passado), fez parte de umas milhares de soldadores que se viram no desemprego por todo o país.
A  minha mãe e as suas 4 irmãs
Com cinco filhas em casa o meu avô tratou de entregar 2 delas a familiares que as pudessem criar. Foi assim que a minha mãe Natália e a minha tua Idália, (aduas mais velhas) vieram parar a Peniche a casa de umas irmãs de meu avô que tinham casado na Nazaré e vindo para Peniche onde a apanha de peixe corria de forma mais favorável. A irmã de meu avô era casada com o Tónio da Velha de saudosa memória.

A minha mãe que tinha tirado o curso de “Corte & Costura” que a Clarck organizava para quem comprava a régua de moldes, começou a trabalhar com sucesso nessa actividade.
 a minha mãe
A minha tia entretanto veio a casar com um pescador muito experiente (o Zé Canão) constituindo um casal feliz até à morte.

A minha mãe era uma jovenzinha de 17/18 anos lindíssima, e que vestia muito bem com a roupa elaborada por ela. O meu pai que era um grande “sargalhão”, viu aquela “jeitosa” e foi-se a ela. Assim foi que nasci eu e o meu irmão frutos da relação entre um engatatão filho-família de Peniche e uma filha de um soldador de latas de conserva no desemprego em consequência da revolução industrial na indústria conserveira.   

 

segunda-feira, agosto 05, 2019


FERIADO MUNICIPAL DE PENICHE
O que se celebra?
Porquê uma Festa móvel?
Quantos penicheiros, ou penichenses, sabem a resposta a estas perguntas?
As escolas de Peniche nas suas disciplinas de história, os estudos sociais, perdem algum tempo a compreender com os seus alunos um pouco da história de Peniche e os fundamentos da sua existência?
Será legitimo a participação do município, ou melhor, dos seus munícipes nos custos da educação dos seus filhos sem que os estabelecimentos de ensino façam da história local uma parte importante dos saberes que ali lhes são comunicados?
Peniche interessará alguém?
Será que a Assembleia Municipal se deveria preocupar com esta questão?

quinta-feira, agosto 01, 2019


A PRAÇA DA CANÇÃO
Em 1975 eu estava na República da Guiné-Bissau. A 25 de Novembro eu achava que a minha esperança de um Portugal mais livre, fraterno e a caminho de uma sociedade em que todos os portugueses tivessem a possibilidade de poder atingir níveis de dignidade, pensava eu que tudo tinha acabado e que de novo entraríamos num regresso ao passado obscurantista de que nos tínhamos libertado com o 25 de Abril.
Alguns companheiros de Partido deram às vila-diogo e emigraram para os EUA, Alemanha, França e uns quantos para Inglaterra. Eu a viver ainda no mundo da Utopia ofereci-me como cooperante para a Guiné-Bissau.
Foi um romper de muros, preconceitos e sonhos. Nós os colonialistas perfeitos nem sequer tínhamos transmitido uma língua àqueles povos. Como o meu curso de origem era de química, fui dar aulas de Físico-química para a Escola Vitorino Costa, que se situava em Brá, na estrada para o Aeroporto.
O modelo da escola era um misto do sistema português com o cubano. A grande maioria dos alunos não falava português. O crioulo era a língua dominante. Existiam alunos que falavam (e muito bem) o francês porque tinham estado na Guiné Conakri enquanto os pais combatiam. Outros falavam espanhol que erasm os que tinham estado em Cuba. Outros ainda falavam russo, porque o país que os tinha acolhido tinha sido a União Soviética. Quase todos falavam ainda a língua da região de onde provinham, ou mandinga, ou fula, ou papel, ou manjaco.
Eu falava português (a língua oficial), pedia depois aos melhores em português para traduzirem para crioulo e era assim feita a transmissão de saberes. Muitos daqueles alunos não tinham pais que os ajudassem. Os pais ou tinham morrido na luta, ou faziam parte dos quadros militares do país. Por isso aquela escola tinha ainda um refeitório e um dormitório para aquelas crianças, as “Flores da Nossa Luta”, como eram designadas por Amílcar Cabral. E era comum ver o Luiz Cabral, presidente da República visitá-los aos fins de semana ou ir almoçar com eles durante a semana sempre que as suas funções o permitiam.
Este contexto a que vem o título deste post? Um dia estávamos uns quantos cooperantes a conversar e uma colega professora de português, disse-nos que tinha tido péssimos resultados num teste de português que tinha dado aos seus alunos. Falámos com ela sobre isso e a certa altura ficámos estupefactos quando a nossa colega nos disse que o texto em que tinha baseado o teste, tinha sido a introdução da “praça da canção”, onde fala de uma pétala de rosa que tinha caído de uma carta que o Manuel Alegre tinha recebido na prisão.
Para aqueles mininos falava-se de rosas que era um flor que ali não existia. E num contexto de guerra de guerrilha, falava-se de prisões.
A minha colega, cooperante como eu, ainda não se tinha apercebido sobre quem eram aquelas crianças, donde vinham e o que estavam ali a fazer.
Vinha para ali despejar ideologia e solidariedade e não integrar-se para perceber.
Já antes as senhoras do Movimento Nacional Feminino tinham feito o mesmo.