quarta-feira, fevereiro 15, 2017


MEMÓRIAS

A 8 de Dezembro de 1975 eu cheguei à República da Guiné-Bissau para vir lá a trabalhar como cooperante na área da educação durante 2 anos. A primeira sensação que tive foi de cheiro a terra. E um outro cheiro que então eu não identifiquei mas que mais tarde vim a saber tratar-se de grandes queimas de milhões de gafanhotos, pois dias antes teria havido uma praga desses insectos predadores.

No meu primeiro ano fui trabalhar para a Escola Técnica Vitorino Costa situada em Brá, relativamente perto do aeroporto. Esta escola funcionava no antigo quartel dos comandos e recebeu os “filhos da luta”, meninos que eram órfãos de guerra e que se tinham espalhado durante anos por Moscovo, Cuba, República da Guiné-Conakri e Senegal. Esta foi das experiências mais enriquecedoras que tive como professor. Os alunos falavam Papel, ou Mandinga, ou Manjaco, ou Fula e falavam a língua do país que os acolhera. Falavam ainda a língua da etnia a que pertenciam. Todos falavam crioulo. Raros falavam Português. Eu dava as minhas aulas (de Física ou de Química) em Português escolhia um aluno dos que arranhavam o português que vertessem o que eu tinha dito para crioulo, corrigia algumas informações e lá seguíamos. Não era fácil mas lá nos entendíamos e eu comecei também a arranhar o crioulo e eles a falarem melhor o português. Por vezes e inesperadamente recebíamos a visita do “camarada Luis Cabral” que vinha saber dos sucessos dos seus meninos.

No 2º ano tornou-se tudo mais fácil. Fui trabalhar para Bissau para o Liceu Nacional Kwame N’ Krumah. Já mais gente palrava o “português”.

Eu fui primeiro instalado num Lar e depois passei para um apartamento do Hotel Pidjiguiti, situado na zona onde se deu a primeira revolta na Guiné-Bissau contra o colonialismo português.

Quando fui para a Guiné fiz-me acompanhar de uns quantos discos de música clássica e dos discos que na altura eu tinha da Amália. À noite sentava-me na esplanada do Hotel, bebia umas cervejas e tinha como pano de fundo o som do fado naquela voz inesquecível. Foi aí que conheci por causa da Amália um grande amigo dela que também tinha vindo procurar respostas à Guiné. Foram muitas as noites de tertúlia que passámos. E no final desses 2 anos quando nos despedimos esse amigo de sempre, ofereceu-me 2 postais que ele tinha trazido de Lisboa para Bissau. Esses postais que vos dou a conhecer agora, nunca mais me abandonaram. Comigo têm 40 anos e sempre estiveram próximos. Fazem parte das minhas memórias. Para sempre.

 

  

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