COMPREEENDER MELHOR O QUE
CELEBRAMOS
Um amigo
meu fez-me chegar uma entrevista publicada no jornal online “O Observador” com
2 figuras insignes da Igreja Portuguesa. Não sou católico, nem adepto deste
jornal. De alguma forma é dos jornais que não partilharia com ninguém. Mas a
acuidade do tema e vindo de quem vem, tornou-o particularmente interessante
para o partilhar convosco. Embora se trate de um texto longo, julgo ser de todo
o interesse a sua leitura. Pela transcrição agradeço e desde já reconheço a
propriedade intelectual:
NATAL, JESUS, MARIA E JOSÉ
"É aquela altura do ano outra vez.
O Observador telefonou ao bispo do Porto D. Manuel Linda e ao padre Anselmo
Borges à procura das respostas às perguntas mais difíceis sobre a quadra
natalícia. E ouviu as explicações para algumas das principais dúvidas, entre
elas as mais inconvenientes.
Maria era virgem — mas apenas no
sentido figurado. Ninguém sabe quando Jesus nasceu — e provavelmente nem sequer
foi em Belém. O Natal não é assim tão cristão porque é mais transversal que isso
— e sim, as pessoas de outras religiões têm mesmo de gozar este feriado, quer
queiram quer não.
Em véspera de Natal, eis tudo o
que precisa de saber sobre o que realmente estamos a festejar.
Porque é que o Natal se celebra a 25 de dezembro?
Os
cristãos celebram o Natal a 25 de dezembro porque havia uma festa pagã que acontecia
por altura do solstício de dezembro, que acontece a 21 de dezembro — e que este
ano começou precisamente às 22h23 da última sexta-feira. “Os cristãos
tinham de fazer feriado mas custava-lhes honrar um deus que não era o deles.
Então, começaram a substituir a razão da festa, não para honrar o imperador de
Roma mas para honrar o Sol que nasce nas alturas, que é Jesus”, explica ao
Observador D. Manuel Linda, bispo do Porto.
Isso mesmo sublinha o padre
Anselmo Borges, padre, ensaísta e professor universitário na Universidade de Coimbra
: “Quando o Cristianismo se impôs, havia uma festa no Império Romano que era a
festa do Sol Invicto. Nós celebramos o Natal no solstício do inverno, quando os
dias começam a crescer no hemisfério norte. E como para os cristãos a verdadeira luz é Jesus, então começaram a
celebrar o Natal, o nascimento de Jesus, em substituição dessa festa“.
"Quando o Cristianismo se
impôs, havia uma festa no Império Romano que era a festa do Sol Invicto. Nós
celebramos o Natal no solstício do inverno, quando os dias começam a crescer no
hemisfério norte. E como para os cristãos a verdadeira luz é Jesus, então
começaram a celebrar o Natal, o nascimento de Jesus, em substituição
dessa festa".
Padre Anselmo Borges
Ainda
antes dessa celebração havia uma outra chamada Saturnália, que na cultura
romana honrava o deus Saturno e se celebrava entre 17 de dezembro e 24 de
dezembro. Com a chegada da festa do Sol Invicto e, mais tarde, com as festas da
Natividade, os costumes da Saturnália — que eram de índole pecaminosa aos olhos
dos cristãos — começaram a ser eliminados. As datas, essas, permaneceram mas
com um novo significado. E assim se passou a celebrar o Natal desde o século VI.
A Saturnália numa interpretação
de Antoine Callet. Créditos: WIkimedia Commons
Então em que dia nasceu mesmo Jesus Cristo?
Ninguém sabe.
A
Bíblia, através dos evangelhos de São Mateus e de São Lucas, dá-nos
algumas pistas:
Jesus Cristo nasceu na mesma época em que Quirino era presidente da
Síria, enquanto Herodes era rei de Israel e quando César Augusto fazia um
recenseamento no Império Romano. No entanto, alguns desses dados podem não
estar corretos: Públio Sulpício Quirino só foi nomeado governador
da Síria em 6 d.C. quando Arquelau, filho e sucessor de Herodes na
Judeia como tetrarca, foi demitido. Foi também nesse ano que ocorreu o primeiro
recenseamento da história do Império Romano (pelo qual Maria e José se dirigiam
a Belém). Ora, o ano 6 não é uma data possível para o nascimento de Jesus se
ele tiver de facto vindo ao mundo enquanto Herodes era vivo. Herodes, o
Grande, ficou à frente de Israel desde 57 a.C. até à morte, que pode ter
acontecido em 1 a.C. ou no ano 4. Mas essas duas datas acontecem antes da
tomada de posse de Quirino.
D.
Manuel Linda diz ser muito improvável, impossível até, que se venha a descobrir
a verdadeira data de nascimento de Jesus. Os registos civis só apareceram em
Portugal com a instauração da República e mesmo a Igreja, que já fazia esse
registo há mais tempo, só a começou a fazer há entre 400 e 500 anos. Assume-se
que Jesus nasceu há 2018 anos — ou seja, que este 25 de dezembro celebraria
2018 anos — por causa “de um monge do século VI que se enganou”, conta Anselmo
Borges: “Os cristãos começaram por ser perseguidos, mas depois tornaram-se a
maioria e o Império Romano converteu-se ao Cristianismo. No século VI, houve um
monge chamado Dionísio, o Exíguo, que foi encarregado de estabelecer a data de
nascimento de Jesus e que se enganou numa margem de entre 4 e 6 anos”.
Ou seja, de um modo geral, diz-se que Jesus nasceu algures entre os anos 4 a.C. e
6 a.C.. As contas têm por base que Jesus nasceu durante os dias do
reinado de Herodes, que esse rei ordenou que todos os rapazes primogénitos com
dois anos ou menos fossem mortos para que o seu reino não fosse ameaçado e que
Herodes deixou de governar em 4 a.C.. Perante estes dados, o intervalo
possível — tendo em conta a idade máxima que Jesus teria nessa altura e as
datas do reinado de Herodes — sugere que todos estes factos aconteceram entre 6
a.C. e 4 a.C..
Diz-se que Jesus nasceu algures
entre os anos 4 a.C. e 6 a.C.. As contas têm por base que Jesus nasceu
durante os dias do reinado de Herodes, que esse rei ordenou que todos os rapazes
primogénitos com dois anos ou menos fossem mortos para que o seu reino não
fosse ameaçado e que Herodes deixou de governar em 4 a.C.. Perante estes dados,
o intervalo possível — tendo em conta a idade máxima que Jesus teria
nessa altura e as datas do reinado de Herodes — sugere que todos estes factos
aconteceram entre 6 a.C. e 4 a.C..
São Lucas também dá outros dados
que sugerem o mesmo intervalo de tempo. No capítulo 3, o evangelista escreve
que “Jesus, quando começou o seu ministério, tinha cerca de trinta anos de
idade”. Sabe-se que Jesus começou esse ministério durante o tempo em que
João Batista ministrou no deserto. E sabe-se também que João Batista começou o
ministério no ano quinze do império de Tibério César, quando Pôncio Pilatos era presidente
da Judeia, Herodes era tetrarca da Galileia, Filipe era tetrarca da
Itureia e da província de Traconites, Lisânias era tetrarca de
Abilene e tanto Anás como Caifás eram sumos sacerdotes.
O único período de tempo que se
ajusta a todos esses factos é o intervalo entre 27 d.C. e 29 d.C.. Por isso, se
Jesus tinha “cerca de trinta anos de idade” nesse período de tempo, então
o parto deve ter acontecido entre 4 a.C. e 6 a.C.
Se o ano de nascimento de Jesus é
difícil de descobrir, o mês e o dia são quase impossíveis de desvendar. Mas uma das teorias mais famosas diz que ele
veio ao mundo em setembro. Um dos motivos que sustenta essa hipótese é a
descrição que São Lucas faz do tempo em que Jesus nasceu: “Ora, havia naquela
mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias
da noite, o seu rebanho”. Alguns registos históricos dizem que os
pastores não costumavam ir para o campo no inverno porque o tempo era demasiado
húmido na Judeia. É exatamente por causa do clima frio que o recenseamento que
levou Maria e José a Belém não deve ter acontecido no inverno, mas
provavelmente durante o verão ou no início do outono.
Além disso, a teoria de que Jesus nasceu em setembro
depende do momento do nascimento de João Batista. Diz São Lucas que o
pai de João Batista era um padre da divisão de Abias chamado Zacarias que
estava a servir num templo quando o anjo Gabriel lhe apareceu e anunciou
que Isabel iria ter um filho. Zacarias voltou a casa e Isabel estava, de facto,
grávida. Só depois é que o anjo Gabriel visitou Maria para anunciar a conceção
de Jesus, já Isabel ia no sexto mês de gestação.
Ora, os registos históricos dizem
que os sacerdotes da divisão de Abias serviam nos templos entre os dias 13
e 19 de junho. Se nessa altura Isabel estava no início da gravidez, então o
sexto mês de gestação deve ter acontecido em dezembro ou janeiro. E assumindo
que Maria também concebeu Jesus pouco antes disso, então ele deve ter vindo ao
mundo nove meses depois de ela ter visitado a prima, ou seja, em agosto
ou… setembro.
É verdade que foi estabelecido
por David um calendário para servir nos templos quando Salomão era rei, mas ele
foi modificado nos tempos do exílio babilónico. Se há registos históricos que
dizem que a divisão de Abias, a que Zacarias pertencia, servia nos templos em
junho, outros sugerem que só acontecia em outubro. Se assim for, então Jesus só
terá nascido em dezembro ou janeiro.
Mas há alguns problemas com essa
teoria. Em primeiro lugar, porque as temperaturas mínimas em Belém no inverno
nessa época deviam ser semelhantes às que se fazem sentir no norte e interior
de Portugal. Em nesse caso além do frio poder não ser impeditivo, um
recenseamento no inverno, mesmo mais rigoroso, podia sempre ser
obrigatório por causa do cariz ditatorial do regime de César Augusto à
frente do Império Romano.
E depois porque a matemática relacionada com a gestação de
Isabel e de Maria pode estar errada: é verdade que foi estabelecido por
David um calendário para servir nos templos quando Salomão era rei, mas ele foi
modificado nos tempos do exílio babilónico. Se há registos históricos que dizem
que a divisão de Abias, a que Zacarias pertencia, servia nos templos em junho,
outros sugerem que só acontecia em outubro. Se assim for, então Jesus só terá
nascido em dezembro ou janeiro.
E como pode Jesus ser filho de uma virgem?
Jesus não é filho de uma mulher
virgem, explicam quer o padre Anselmo Borges quer o bispo D. Manuel Linda. Ele
foi concebido por Maria e José como qualquer outra pessoa e é “verdadeiramente
homem”. A virgindade só é associada a
Maria como metáfora para provar que Jesus era uma pessoa muito especial.
O evangelho de São Lucas, um dos
mais confiáveis da Bíblia, conta que um anjo chamado Gabriel foi enviado por
Deus à cidade de Nazaré, na Galileia, para visitar Maria, apresentada como “uma
virgem desposada com um homem”. O anjo disse-lhe: “Maria, não temas, porque
achaste graça diante de Deus. E eis que em teu ventre conceberás e darás à
luz um filho, e pôr-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será
chamado filho do Altíssimo. E o Senhor Deus lhe dará o trono de David, seu pai.
Reinará eternamente na casa de Jacob e o seu reino não terá fim”.
Maria ficou confusa porque nunca
tinha tido relações sexuais com nenhum homem. Mas o anjo Gabriel esclareceu-a:
“Descerá sobre ti o Espírito Santo e a
virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso também o
Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus. E eis que
também Isabel, tua prima, concebeu um filho na sua velhice. E é este o sexto
mês para aquela que era chamada estéril. Porque para Deus nada é impossível”.
Apesar destas palavras, o bispo do Porto refere ao Observador que
“nunca devemos referir a virgindade física de Virgem Maria”: “O Antigo
Testamento diz muitas vezes que Jesus iria nascer de uma donzela, filha de
Israel, que fosse simples, pobre e humilde. Mas na verdade isso é apenas uma
referência à devoção plena dessa mulher a Deus. O dom de ser mãe de Deus
foi dado a Maria por ela ter um coração indiviso. O que importa é a plena doação“, explica D. Manuel Linda. E
acrescenta: “Há com certeza mulheres com o hímen rompido [que é associado ao
sinal físico da perda da virgindade por uma mulher] que são mais virgens no
sentido da plena devoção a Deus do que algumas com o hímen intacto”.
"Nunca devemos referir a
virgindade física de Virgem Maria. Há com certeza mulheres com o hímen rompido
[que é associado ao sinal físico da perda da virgindade por uma mulher] que são
mais virgens no sentido da plena devoção a Deus do que algumas com o
hímen intacto".
D. Manuel Linda, bispo do Porto
Anselmo Borges dá um exemplo
prático para explicar o simbolismo da virgindade normalmente conferida a Maria:
“Na minha terra, havia um senhor que era muito inteligente. Não tinha estudado
mas curava muita gente. Tinha um dom. Então as pessoas começaram a dizer que o
senhor tinha chorado na barriga da mãe. Ninguém o tinha visto a chorar lá
dentro mas era uma maneira de dizer que era alguém especial”, conta o professor
e padre. Algo semelhante acontece com João Batista, primo de Jesus, que nasceu
de Isabel quando ela já era velha e não podia ter filhos.
Ou seja, dizer que Jesus nasceu de uma mulher virgem é uma verdade teológica mas
não necessariamente uma verdade biológica. Anselmo Borges até acrescenta
que “a teologia não é um tratado de biologia” e que a virgindade de Maria serve
apenas para “dizer a importância de Jesus enquanto filho especial de Deus”:
“Maria e José só mais tarde é que se aperceberam do filho especial que tinham tido.
Qualquer mãe se espanta com os filhos e com Maria e José aconteceu o mesmo.
Nossa Senhora é especial porque se converteu à mensagem de Jesus. Às vezes
entendia-a e outras vezes não”, conclui Anselmo Borges.
Há outras ideias erradas sobre a
vida de Jesus além de que ele tinha nascido de uma mulher virgem. Por exemplo,
costuma-se dizer que os pais de Maria se chamavam Ana e Joaquim mas isso
não está em lugar nenhum na Bíblia. Só que todos esses aspetos passaram a ser
“tradição”, adjetiva D. Manuel Linda.
Dizer que Jesus nasceu de uma
mulher virgem é uma verdade teológica mas não necessariamente uma verdade
absoluta. Anselmo Borges até acrescenta que "a teologia não é um tratado
de biologia" e que a virgindade de Maria serve apenas para "dizer a
importância de Jesus enquanto filho especial de Deus".
Anselmo Borges concorda e diz que
isso acontece porque a biografia de Jesus começou a ser escrita ao contrário.
Provavelmente, Jesus não nasceu em Belém como diz a Bíblia: na verdade, deve
ter nascido em Nazaré. Só que como para
os cristãos Jesus é “o verdadeiro Messias”, então isso significa em teoria que,
tal como José, faz parte da linhagem do rei David, que era de Belém.
Jesus também deve ter estado exilado no Egito, como sugere a Bíblia. Só que ele
é visto como “o verdadeiro libertador”. Ora, Moisés é de origem egípcia e
era visto como um libertador do povo de Israel. Daí se ter criado este
paralelismo entre os dois.
O Natal deixou de ser uma festa cristã?
Talvez, mas isso não tem de ser
necessariamente uma coisa má, considera o padre Anselmo Borges.
“Independentemente de se ser cristão ou não, foi através de Jesus que chegou à humanidade a convicção da dignidade
humana. Não é por acaso que a Declaração dos Direitos Humanos foi feita
em contexto judaico-cristão. O conceito de ‘pessoa’ apareceu no ocidente
a partir dos debates que houve para perceber a figura de Jesus e o mistério da
Santíssima Trindade. Esse conceito vem ao mundo através do Cristianismo”,
defende o professor de filosofia.
Anselmo Borges cita dois
filósofos para sustentar essa ideia: um é agnóstico e chama-se Juger
Habermas e outro é ateu e chama-se Ernst Bloch. Habermas defendia que “a
ideia da democracia no sentido de um Homem valer um voto é a tradução para a
política da ideia cristã de que todos os homens e mulheres são filhos de Deus”,
traduz o padre português: “Em teoria, porque é que o voto de um analfabeto há
de valer tanto como o de uma pessoa letrada? Por causa da ideia cristã de que todos os homens e todos as mulheres
estão em igualdade de circunstâncias por todos serem filhos de Deus“,
acrescenta. Bloch, considerado um dos filósofos marxistas alemães mais
influentes do século XX, dizia que “nenhum ser humano pode ser tratado como
gado e que isso sabemos através de Jesus”.
"Independentemente de se ser
cristão ou não, foi através de Jesus que chegou à humanidade a convicção da
dignidade humana. Não é por acaso que a Declaração dos Direitos Humanos foi
feita em contexto judaico-cristão. O conceito de 'pessoa' apareceu no ocidente
a partir dos debates que houve para perceber a figura de Jesus e o mistério da
Santíssima Trindade. Esse conceito vem ao mundo através
do Cristianismo".
Padre Anselmo Borges
Uma das ameaças ao sentido mais
religioso do Natal é o consumismo da época. O Estudo de Natal 2018 publicado
pela Deloitte previu que cada agregado familiar em Portugal ia gastar em média
314 euros, o que mesmo assim é menos 7,1% dos gastos estimados em 2017 e
quase metade do registado em 2008. Anselmo Borges diz que, às vezes, as pessoas
“consomem-se a consumir” e que “se esquecem do essencial”. No entanto,
isso só acontece porque “queremos ser amados e Jesus veio dizer que Deus nos
ama”: “É por isso é que o Natal é uma festa de alegria e de confiança apesar de
todos os problemas. Apesar de nos
consumirmos a consumir, não é por acaso que somos mais solidários uns com os
outros e tomamos mais consciência da dignidade uns dos outros“.
O bispo do Porto também
desvaloriza o problema do consumismo da quadra. É verdade que “para uma parte
significativa da nossa população o Natal é o consumo” e que “do filho de Deus
não ficou nada, nem sequer o nome” — antes as prendas eram dadas pelo menino
Jesus, agora são com o Pai Natal criado pela Coca Cola.
Mas por outro lado, a festa
sempre foi associada às maiores celebrações religiosas, ressalva D. Manuel
Linda: “Quando há festas são precisas prendas e gostamos de ter uma roupa
melhor. Não sou contra essa ideia. Sou contra, isso sim, quando tudo o resto se
dilui à conta disso. Mas não faço do consumismo o campo da minha batalha”.
Questionado sobre se o Natal
deixou de ser uma festa cristã, D. Manuel Linda responde que “até mesmo as pessoas que não vivem muito a
dimensão religiosa do Natal têm uma réstia do que ela significa nas celebrações
que fazem”: “Nas sociedades ocidentais, e na Europa em
particular, há uma fortíssima diminuição da prática religiosa. Isso
faz com que nos possamos esquecer dos factos da nossa história cristã. É
possível que o Natal esteja a sofrer a erosão que a própria vivência cristã
está a sofrer. Mas a nossa cultura ainda regista esta ideia de que o Natal é
uma época diferente”.
"Nas sociedades ocidentais,
e na Europa em particular, há uma fortíssima diminuição da prática
religiosa. Isso faz com que nos possamos esquecer dos factos da nossa história
cristã. É possível que o Natal esteja a sofrer a erosão que a própria vivência
cristã está a sofrer. Mas a nossa cultura ainda regista esta ideia de que o
Natal é uma época diferente", diz o bispo do Porto.
Quem é ateu pode gozar o feriado de 25 de dezembro?
Ou pode recusar?
Não só pode como tem de
gozar os feriados religiosos obrigatórios. É isso que a lei determina em
Portugal.
De acordo com o artigo número 234
do Código do Trabalho, são considerados obrigatórios os feriados de Ano Novo (1
de janeiro), Sexta-Feira Santa (19 de abril de 2019), Domingo de Páscoa (21 de
abril de 2019), Dia da Liberdade (25 de abril), Dia do Trabalhador (1 de maio),
Dia de Portugal (10 de junho), Dia da Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto),
Dia da Implantação da República (5 de outubro), Dia de Todos os Santos (1 de
novembro), Dia da Restauração da Independência (1 de dezembro), Dia da
Imaculada Conceição (8 de dezembro) e Dia de Natal (25 de dezembro).
Nesses
feriados, diz o artigo número 236 do Código do Trabalho, “têm de encerrar ou
suspender a laboração todas as atividades que não sejam permitidas aos
domingos”.
Mesmo que o trabalhador assuma ser ateu — isto é, que não acredita da
existência de qualquer ser divino —, o ponto dois desse mesmo artigo sublinha
que “o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou o contrato de
trabalho não pode estabelecer feriados diferentes dos indicados nos artigos
anteriores”.
Entre os feriados obrigatórios,
só mesmo o da Sexta-Feira Santa é que pode ser celebrado noutra ocasião, em
concordância com “o significado local da Páscoa”. De resto, apenas há dois
feriados facultativos: um é a terça-feira de Carnaval, que em 2019 se vai
celebrar a 5 de março; o outro são os feriados municipais, que dependem de
cidade para cidade. O facto de um trabalhador poder gozar desses dois feriados
tem de estar previsto no contrato assinado entre ele e a entidade empregadora
ou então tem de estar explicado na regulamentação coletiva de trabalho. E mesmo
assim, em substituição de qualquer um desses feriados facultativos, o
trabalhador pode gozá-los noutro dia desde que isso seja acordado com o empregador.
Por outras palavras, mesmo que um trabalhador não seja fiel a
qualquer religião, num feriado religioso obrigatório tem mesmo de o gozar
porque, de qualquer modo, não tinha onde trabalhar. Isso é explicado ao
Observador por José Vera Jardim, presidente da Comissão da Liberdade
Religiosa: “É a mesma coisa que imaginar o caso de um indivíduo que seja
monárquico e diga que não quer celebrar o 5 de outubro porque esse é um feriado
para os republicanos. Mesmo que ele queira trabalhar não o pode porque é feriado.
É mesmo assim”.
Mesmo que um trabalhador não seja
fiel a qualquer religião, num feriado religioso obrigatório tem mesmo de o
gozar porque, de qualquer modo, não tinha onde trabalhar. "É a mesma coisa
que imaginar o caso de um indivíduo que seja monárquico e diga que não quer
celebrar o 5 de outubro porque esse é um feriado para os
republicanos. Mesmo que ele queira trabalhar não o pode porque é feriado.
É mesmo assim".
José Vera Jardim, presidente da
Comissão da Liberdade Religiosa
E se for de outra religião?
Se uma
pessoa pertencer a uma religião que não tem como feriado o 25 de dezembro, por
exemplo, também é obrigado por lei a não trabalhar nesse dia. Mas também está
previsto que, se quiser gozar outro feriado que conste no calendário da sua religião,
tem direito a fazê-lo desde que compense as horas de trabalho desse dia noutra
altura. É isso que consta na Constituição da República e na Lei da Liberdade
Religiosa. E também foi isso que o presidente da Comissão da Liberdade
Religiosa, explicou ao Observador.
O artigo 41 da Constituição da
República portuguesa garante que “a liberdade de consciência, de religião
e de culto é inviolável” e especifica que “ninguém pode ser perseguido, privado
de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas
convicções ou prática religiosa”. Por outras palavras, todas as pessoas têm direito a colocar em prática os hábitos relacionados
com a religião que seguem.
Isso está em concordância com o
Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a Convenção Europeia dos
Direitos do Homem, que no artigo 18 e 9 respetivamente defendem que todas as
pessoas têm direito “à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião”, assim como de “manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em
comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto
e pelos ritos”. Em Portugal também existe a Lei da Liberdade Religiosa, que
inclui todos esses direitos.
Ora, acontece que a Lei da
Liberdade Religiosa, no artigo número 2, especifica que “ninguém pode ser
privilegiado, beneficiado, prejudicado, perseguido, privado de qualquer direito
ou isento de qualquer dever por causa das suas convicções ou prática religiosa”
e que “o Estado não discriminará nenhuma igreja ou comunidade religiosa relativamente
às outras”. Acontece que os feriados
religiosos obrigatórios do calendário português são cristãos — ligados ao
catolicismo — apesar de Portugal ser um Estado laico. José Vera Jardim
explica que isso acontece porque “os Estados, por mais laicos que sejam, marcam
nos calendários os feriados religiosos obrigatórios consoante as Igrejas
dominantes, digamos assim: “Portugal tem estes feriados porque tem um acordo
com a Igreja Católica por causa das nossas raízes históricas”, acrescenta.
Os feriados religiosos
obrigatórios do calendário português são cristãos — ligados ao catolicismo —
apesar de Portugal ser um Estado laico. José Vera Jardim explica que isso
acontece porque "os Estados, por mais laicos que sejam, marcam no
calendários os feriados religiosos obrigatórios consoante as Igrejas
dominantes, digamos assim: "Portugal tem estes feriados porque tem um
acordo com a Igreja Católico por causa das nossas raízes históricas",
acrescenta.
Vera Jardim diz que não podia ser
de outra maneira senão “era uma balbúrdia” por causa da quantidade de religiões
inscritas em Portugal e, consequentemente, da quantidade de dias santificados
que haveria no calendários. O problema é que muitas delas têm um calendário
próprio: o presidente da Comissão afirma que o Natal começa a ser celebrado por
várias religiões, não como um feriado santificado mas apenas como uma
celebração em família. Com a Páscoa, por exemplo, isso não acontece. Então,
qual é a solução?
A
solução é a que está no artigo 14 da Lei da Liberdade Religiosa: “Os
funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os
trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu
pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das
festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão
que professam”. Para gozar desse direito o trabalhador tem de pertencer a uma
religião registada em Portugal, explica José Vera Jardim: “Todas as religiões
que constem nesse registo podem comunicar os feriados e dias santificados delas
no início do ano a um membro do governo, que normalmente é o ministro da
Justiça”.
Nesses casos fica-se dispensado de trabalhar nos dias
comunicados pela Igreja no início do ano civil sem precisar de fazer prova de
que realmente segue essa religião. A entidade empregadora não pode pedir
qualquer prova dessa natureza ou então estará a violar a Constituição, que
sublinha que “ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das
suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos
não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a
responder”. Mas há uma contrapartida: tem de gozar à mesma os feriados
obrigatórios cristãos pelo mesmo motivo que os ateus — as empresas são
obrigadas por lei a encerrar, salvo algumas exceções — e se quiser gozar de um feriado que não
conste no calendário português, tem de compensar noutra altura as horas que não
trabalhar nesse dia.
Isso é o que está previsto na Lei
da Liberdade Religiosa: só pode gozar
destes direitos quem trabalhar “em regime de flexibilidade de horário” e
se houver uma “compensação integral do respetivo período de trabalho”. “Há
Igrejas que o dia semanal de oração não é o domingo. Os judeus e os adventistas
têm o sábado. Os testemunhas de Jeová também têm alguns feriados. Essas
religiões comunicam no início do ano os dias santificados e podem substituir
por trabalho. Isto é, têm de trabalhar horas extraordinárias para compensar. É
o que vem na lei. Aí também depende um pouco do tipo de trabalho que têm
e da boa vontade. A lei admite estes princípios mas não regula todas as coisas.
Mas no fundo tem de compensar a entidade empregadora porque usou um feriado e
gozou um dia em que não trabalhou”, diz Vera Jardim.
Nesses casos fica-se dispensado
de trabalhar nos dias comunicados pela Igreja no início do ano civil sem
precisar de fazer prova de que realmente segue essa religião. Mas há uma
contrapartida: tem de gozar à mesma os feriados obrigatórios cristãos pelo
mesmo motivo que os ateus — as empresas são obrigadas por lei a encerrar, salvo
algumas exceções — e se quiser gozar de um feriado que não conste no
calendário português, tem de compensar noutra altura as horas que não trabalhar
nesse dia.
É assim com os trabalhadores e é
assim com os estudantes também. Quem
andar na escola fica dispensado das aulas “nos dias de semana consagrados ao
repouso e culto pelas respetivas confissões religiosas”, diz a Lei da
Liberdade Religiosa. Além disso “se a data de prestação de provas de avaliação
dos alunos coincidir com o dia dedicado ao repouso ou ao culto pelas respetivas
confissões religiosas, poderão essas provas ser prestadas em segunda chamada,
ou em nova chamada, em dia em que se não levante a mesma objeção”, prevê a lei.
O presidente da Comissão para a
Liberdade Religiosa assume que já se tem posto o caso de um feriado religioso
calhar em dias de exame porque há alguns deles que são marcados aos sábados.
Mas segundo a doutrina, esses alunos têm direito a uma chamada especial. No entanto, esse direito só pode ser cumprido
se forem “ressalvadas as condições de normal aproveitamento escolar”:
“Se houver uma data de dias em que ele não pode ir e os exames calharem todos a
esse dia, então a prioridade deve ser o aproveitamento escolar”, explica Vera
Jardim.
Uma situação desta natureza já
aconteceu com uma procuradora do Ministério Público que lutou entre 2011 e 2014
para que não tivesse de trabalhar ao sábado por ser adventista. O Supremo
Tribunal Administrativo tinha começado por não dar razão à procuradora por não
haver flexibilidade de trabalho e, portanto, não haver a possibilidade de ela
repor as horas em que não ia trabalhar nos dias santificados da Igreja
Adventista do Sétimo Dia — casos em que a liberdade religiosa não se aplica
nesses termos. Mas o Tribunal Constitucional negou: disse que os procuradores,
na verdade, trabalham mesmo em horário flexível de turnos. A decisão do
Tribunal Constitucional prevaleceu e a procuradora ganhou o caso.
Mas afinal, o que é mesmo o Natal?
O Natal
é a altura do ano em que os cristãos recordam a vinda de Jesus Cristo ao mundo
e os ensinamentos que ele defendeu. D. Manuel Linda, bispo do Porto,
explicou ao Observador que esta época é também a altura em que pensamos “na
dimensão humana daqueles que connosco estão no mundo”. E Anselmo Borges
acrescenta que o Natal “traz uma mensagem decisiva para toda a humanidade, que
é o amor: “Deus é amor e ama todos os homens e mulheres. Esse amor manifesta-se em
Jesus por palavras e obras. Jesus procedeu como Deus, ao interessar-se por
todos. Por isso é que esteve tão próximo de todos, mas principalmente daqueles
de quem ninguém está próximo, como os frágeis, os abandonados, os pobres e até
os pecadores”.
O Natal é a altura do ano em que
os cristãos recordam a vinda de Jesus Cristo ao mundo e os ensinamentos que ele
defendeu. D. Manuel Linda, bispo do Porto, explicou ao Observador que esta
época é também a altura em que pensamos "na dimensão humana daqueles
que connosco estão no mundo". E Anselmo Borges, padre e professor de
filosofia na Universidade de Coimbra, acrescenta que o Natal "traz uma
mensagem decisiva para toda a humanidade, que é o amor.
O nascimento de Jesus é explicado
na Bíblia no evangelho de São Lucas. Enquanto Maria ainda estava grávida de
Jesus, César Augusto publicou um decreto que ordenava o recenseamento de
todo o Império Romano. Todas as pessoas que estivessem fora da cidade natal
tinham de regressar para participar nesse recenseamento, tinha ordenado o
imperador. Foi por isso que José foi da cidade de Nazaré da Galileia
para Belém, na Judeia, que era a cidade de David e José fazia parte da linhagem
dele.
Já em
Belém enquanto José e Maria esperavam por recensear-se, chegou o tempo de
nascer o bebé.
Diz o evangelho de São Lucas, que Jesus foi envolvido em panos e colocado numa
manjedoura “porque não havia lugar para eles na hospedaria”. Mais tarde, José e
Maria receberam a visita dos reis magos, que tinha visto uma estrela no céu e
que os guiou até ao estábulo. Entretanto, sabendo do nascimento de Jesus e em
como ele era apresentado como “o rei dos judeus”, Herodes mandou matar todos os
primogénitos que tivessem menos de dois anos. Jesus escapou à morte porque José
foi avisado do perigo por um anjo e fugiu com Maria e o recém-nascido."
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