A PRAÇA DA CANÇÃO
Em 1975 eu
estava na República da Guiné-Bissau. A 25 de Novembro eu achava que a minha
esperança de um Portugal mais livre, fraterno e a caminho de uma sociedade em
que todos os portugueses tivessem a possibilidade de poder atingir níveis de
dignidade, pensava eu que tudo tinha acabado e que de novo entraríamos num
regresso ao passado obscurantista de que nos tínhamos libertado com o 25 de
Abril.
Alguns
companheiros de Partido deram às vila-diogo e emigraram para os EUA, Alemanha,
França e uns quantos para Inglaterra. Eu a viver ainda no mundo da Utopia
ofereci-me como cooperante para a Guiné-Bissau.
Foi um
romper de muros, preconceitos e sonhos. Nós os colonialistas perfeitos nem
sequer tínhamos transmitido uma língua àqueles povos. Como o meu curso de
origem era de química, fui dar aulas de Físico-química para a Escola Vitorino
Costa, que se situava em Brá, na estrada para o Aeroporto.
O modelo da
escola era um misto do sistema português com o cubano. A grande maioria dos
alunos não falava português. O crioulo era a língua dominante. Existiam alunos
que falavam (e muito bem) o francês porque tinham estado na Guiné Conakri
enquanto os pais combatiam. Outros falavam espanhol que erasm os que tinham
estado em Cuba. Outros ainda falavam russo, porque o país que os tinha acolhido
tinha sido a União Soviética. Quase todos falavam ainda a língua da região de
onde provinham, ou mandinga, ou fula, ou papel, ou manjaco.
Eu falava
português (a língua oficial), pedia depois aos melhores em português para
traduzirem para crioulo e era assim feita a transmissão de saberes. Muitos
daqueles alunos não tinham pais que os ajudassem. Os pais ou tinham morrido na
luta, ou faziam parte dos quadros militares do país. Por isso aquela escola
tinha ainda um refeitório e um dormitório para aquelas crianças, as “Flores
da Nossa Luta”, como eram designadas por Amílcar Cabral. E era comum
ver o Luiz Cabral, presidente da República visitá-los aos fins de semana ou ir
almoçar com eles durante a semana sempre que as suas funções o permitiam.
Este contexto
a que vem o título deste post? Um dia estávamos uns quantos cooperantes a
conversar e uma colega professora de português, disse-nos que tinha tido
péssimos resultados num teste de português que tinha dado aos seus alunos. Falámos
com ela sobre isso e a certa altura ficámos estupefactos quando a nossa colega
nos disse que o texto em que tinha baseado o teste, tinha sido a introdução da “praça
da canção”, onde fala de uma pétala de rosa que tinha caído de uma carta que o
Manuel Alegre tinha recebido na prisão.
Para
aqueles mininos falava-se de rosas que era um flor que ali não existia. E num
contexto de guerra de guerrilha, falava-se de prisões.
A minha
colega, cooperante como eu, ainda não se tinha apercebido sobre quem eram
aquelas crianças, donde vinham e o que estavam ali a fazer.
Vinha para
ali despejar ideologia e solidariedade e não integrar-se para perceber.
Já antes as
senhoras do Movimento Nacional Feminino tinham feito o mesmo.
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