LEPRA
É mesmo
sobre a doença de Hansen que vos quero falar. Ser leproso era um anátema que
acompanhava quem era leproso desde tempos bíblicos. Os leprosos eram maltratados,
hostilizados, abandonados à sua sorte e normalmente colocados em locais
naturais de difícil acesso para não poderem de lá sair. Algumas pessoas mais
piedosas atiravam para lá comida e assim eles iam sobrevivendo até que por
morte natural desaparecessem. Era uma doença tida por contagiosa pelo que eram
banidos das suas comunidades quem tinha a desdita de sofrer desse mal.
Vem isto a
propósito do encerramento da única leprosaria existente em Portugal, sita na
Tocha, concelho de Figueira da Foz. Era o eufemisticamente designado
oficialmente pelos poderes do Estado Novo, Hospital Rovisco Pais, mas que toda
a gente conhecia pela leprosaria da Tocha.
Eu tive a
felicidade de poder conhecer esse Hospital em 1957 ou 1958 quando lá fui
visitar uma prima minha que pertencia à congregação de São Vicente Paulo a quem
desde sempre coube acompanhar os doentes que sofriam de lepra e que ali viviam
segregados do exterior. Não pensem no entanto que aquilo era um modelo
convencional de Hospital como hoje os conhecemos. Era uma grande aldeia, onde
existiam lojas de pequeno comércio, agricultura, locais de lazer, prisão e
serviços de enfermagem para os casos em que a doença carecia de tratamentos
mais cuidados. O que era proibido? Homens viverem vidas conjugais com mulheres.
E como isso vem da natureza humana, quando acontecia alguma das mulheres
engravidar, mal nascia a criança era retirada à mãe, entrava em quarentena até
se verificar se sofria ou não da doença e se não sofria era entregue a familiares
da criança que dela quisessem cuidar. O progenitor era preso durante algum
tempo, após o que regressava aos seus trabalhos anteriores. Era ainda motivo
para punição a saída do espaço da leprosaria para o exterior.
Muitos anos
depois em 1975 tive também a felicidade de conhecer uma outra leprosaria, na
república da Guiné-Bissau, que visitei com o embaixador de Portugal António
Pinto da França, e com um cooperante como eu o José Manuel dos Santos. Essa
leprosaria era cuidada por uma congregação italiana, e também por freiras de S.
Vicente de Paulo. Os moldes de funcionamento eram os mesmos da Tocha embora
menos sofisticados. Na guiné o comércio era praticamente inexistente e viviam
sobretudo do que cultivavam. Vendiam para o exterior sobretudo ananases pois
tinham lá uma grande produção.
O que mais
me surpreendeu nas 2 leprosarias que conheci? A grande afabilidade quer de
utentes, quer de quem deles cuidava. E duas imagens. Na Tocha uma jovem muito
linda que agarrada a um piano tocava, tocava como se o mundo ali começasse e
terminasse. Na Guiné-Bissau o representante de Portugal cumprimentando mulheres
e homens, alguns deles já sem dedos fraternalmente. E quando alguns se tentavam
levantar para lhe prestar saudação ele ajudava-os a sentarem-se de novo.
Agora o
Hospital da Tocha vai encerrar. Os que sofrem da doença de Hansen são tratados
em todo o país e já se comprovou que não existe nenhum contágio directo, sendo
encarados como um qualquer outro doente.
Sinto-me
feliz por ter tido oportunidade de acompanhar esta evolução. Que mais uma vez
prova que a Humanidade existe e é capaz do melhor. As redes sociais como forma
de ódio não são o futuro.
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