terça-feira, dezembro 22, 2009

PRENDA DE NATAL
Trocamos prendas de Natal. Comum é a oferta de livros. Que uns gostam de oferecer e outros de ler. Ou que não uns e outros, mas que à falta de melhores ideias permite ultrapassar a dificuldade de não saber o que oferecer. A vós que passais os olhos por aqui ofereço-vos este texto de Fernando Pessoa. Curtinho. Mas que dói imenso dentro de nós porque passado quase um século continua tão actual. Na política e nos costumes. Na moral e na religião. No que somos não sendo. Neste Natal de 2009 atravessado por dificuldades que nos aproximam cada vez mais dos povos mais atrasados do mundo, precisamos de pensar no que nos espera se não formos capazes de sair deste atoleiro imenso.

A nossa crise provém, simplesmente, do excesso de civilização dos incivilizáveis. Esta frase, como todas as que envolvem uma contradição não envolve contradição nenhuma.
A excessividade – a aspiração desmedida porém lúcida, a ânsia indefinida tendendo constantemente para nunca se deixar definir – constitui o característico distintivo do povo português, o que lhe é essencial -, profundamente.
Entendamo-nos bem quanto a esta excessividade. Todos os povos são naturalmente excessivos nas qualidades que os distinguem; mas isso é, não porque sejam excessivos, mas porque têm essas qualidades distintivamente, acentuadamente, e por isso as têm frequentemente em excesso. A excessividade do português, é, porém, excessividade vazia, só excessividade, excessividade pura. O povo português não tem qualidades: tem só excessividade. O temperamento português é a falta de um temperamento; e, além disso, é excessivo. O português é plástico, amorfo, indefinido, incerto. Só tem de seu não ter nada de seu; além disso tem o excesso. O excesso de quê afinal? O excesso de nada, o puro excesso, o excesso de si próprio, da abstracção de ser.
Todo o ibérico é, em verdade, essencialmente excessivo; porém o espanhol é-o exteriormente, na expressão apenas (de onde a sua exageração notável), o português é-o, sobretudo, interiormente. Exageramos menos nas palavras que o espanhol típico; é nos sentimentos que somos tipicamente desmedidos.
Qual é a causa deste temperamento? Não sei. O não saber a causa real de nada é um dos encantos da ciência. Porventura a nossa situação ao mesmo tempo absolutamente meridional e absolutamente atlântica, o nosso sudoestismo absoluto, o explicaria. Se a explicação não é esta, é sem dúvida qualquer outra.
Sendo assim organicamente excessivos e desmedidos, resulta que, estando à vontade só no excessivo, só no excessivo, onde os outros se desequilibram, atingimos o equilíbrio. O que é excessivo, nas suas manifestações? O universal, que transcende todas as diferenças; o sintético, que funde todas as coisas, para a todas possuir; o ilimitado que tem dentro de si o alimento perpétuo da sua perpetua ânsia. O português é por temperamento anti-tradicionalista, anti-português. O português é absolutamente antagónico, como aliás, todo o ibérico, ao espírito latino, pertença exclusiva da Itália e da França, e que dos Pirenéus para cá não tem razão de ser. É uma das tristes ironias do destino, sempre irónico, porque a Providência é imoral, que tenha estado enfeudado ao catolicismo.

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