UMA VIDA PERDIDA
(?)
O meu amigo
nasceu num tempo em que não havia crise. Havia fome. Fome de não ter que comer.
Os barcos entravam em reparação e acabava o pão nosso de cada dia. Com mãe
doméstica e pai pescador/bêbado no dia a dia, com irmãs tão esbanjadoras
como o pai, assim que vinha o defeso e sem rendimento social nem fundo de
desemprego, nem cruz vermelha, nem a sopa dos pobres, restava fazer peditório pelos familiares mais abonados. Mas todos recusavam qualquer ajuda. E
alguns eram mestres e armadores.
A madrinha não
o conhecia. E no entanto vivia bem. Ele tinha sapatos rotos. E ar de fome.
Tinha
nascido o meu amigo com um dom que ele nem sabia bem que fazer com ele. Cedo o
Padre Bastos se apercebeu do milagre que se tinha operado naquela criança. E
levava-o em nome do Stella Maris a representar os filhos dos pescadores. O que
o pai sempre recusou.
Para comer
inscreveu-se na escola de pesca onde também veio a encontrar professores que
tendo o dever de o tratarem como criança o violentavam com agressões desumanas.
Felizmente que por cada um que o maltratava e agredia surgia sempre outro que o
acarinhava e o apoiava.
Aos 9 anos
encontrou a profissão que ainda hoje é a sua. Casou novito para se ver livre da
dependência familiar doentia a que estava sujeito. Mesmo assim as e com as parcas
posses que ia juntando com trabalhos suplementares, mesmo assim tudo lhe foi roubado pela família mais próxima antes de
se casar.
Procurou em
trabalhos pelas sete partidas do mundo reconstruir a sua vida. O que com
esforço, dedicação, trabalho e grande solidariedade de amigos e companheiros de
jornada, conseguiu. E com o dom com que nasceu.
Hoje,
marido, pai e avô é um símbolo de um Homem que se construiu a pulso a quem
quero dedicar este texto que lamento não reproduzir nem um pouco de uma vida
linda de contar, em que a dignidade presidiu sempre à sua conduta.
Tenho
orgulho neste meu amigo e sinto-me em divida para com ele pela amizade que me
dedica.