Morreu esta noite. Apagou-se. Adormeceu e já não voltou a acordar. Com 90 anos dir-me-ão que será a melhor das passagens. Dissessem-lhe isso a ela antes da arteriosclerose a atacar penosamente. Nem queria pensar na ideia da morte. Para poder morrer antes tiveram de a colocar num estado em que já não tivesse capacidade de dizer não.
A
Mariazinha é mãe da Anita, do Álvaro Jorge do Beto da Natália e do Jorge. E
antes deles todos foi ainda mãe de um meu cunhado que não cheguei a conhecer.
A
Mariazinha era a Mulher do Álvaro. Que soube ser sempre a sua primeira linha de
defesa. Durante mais de 5 anos a Mariazinha agarrada à máquina de costura
produzia as roupas de muita gente de Peniche, já que dela dependia o único
sustento para 4 dos seus 5 filhos, enquanto o marido nas cadeias da PIDE e do
Estado Novo era detido por ser benévolo para com os presos políticos do regime.
Vertical o Álvaro. Digna e honrada a Mariazinha que deu continuidade à defesa
intransigente dos filhos e do marido que visitava sempre que possível.
Os
filhos à vez iam com a mãe ao Aljube e a Caxias ver o pai enquanto que os que
cá ficavam à guarda da avó Ção entravam em paranoia enquanto a mãe não
regressava. Talvez com ela viesse uma prendinha insignificante mas muito
importante.
Ao
que calhava em sorte ir ver o pai com a mãe não deixava de ser dramático ver o
pai preso sem que percebessem porquê. Em apoio à Mariazinha ficavam cá a mãe e
os irmãos que sempre foram o seu abrigo e o seu conforto.Mesmo muitos anos depois da prisão a máquina de costura foi a enxada da Mariazinha para colaborar no sustento familiar. Até que o 25 de Abril veio a ser a janela de esperança por onde finalmente pode vislumbrar o futuro.
A Mariazinha foi mãe dos meus cunhados e da minha cunhada e minha mãe. Defendeu-me onde outros apoios falharam e confortou-me em carinho para os momentos de vida em que definitivamente os laços familiares nos ligaram. Foi mãe e avó da minha filha. A Mariazinha é uma Mulher grande que deixou marcas profundas em todos os que com ela conviveram. É o sorriso da Anita. É a capacidade de trabalho dos seus filhos. É a vontade de passear que sempre lhe deu a coragem necessária para os momentos de labor.
Gosto
de ti Mariazinha.