segunda-feira, setembro 17, 2018


DUVIDO, LOGO EXISTO

Sinto que tenho uma história de vida que me permite aceitar algumas coisas e recusar outras. Quando se deu o 25 de Abril mantive-me a trabalhar na minha terra por um país de esperança até que se deu o 25 de Novembro. Tive imensa dificuldade em digerir que aquela revolução linda que eu tinha vivido estaria prestes a ser sufocada. Dei por mim a pensar o que fazer da minha vida.

Não era professor do quadro. O meu emprego era periclitante. Emigrar era uma solução. Alguns amigos meus tinham ido para o Canadá, outros para os Estados Unidos, outros para a Alemanha. Teria facilidade em encontrar trabalho. Foi então que me ocorreu a possibilidade de me oferecer como cooperante para algum dos países que tinham sido colónias de Portugal. Aconteceu ser a Guiné-Bissau. Quando lá cheguei apercebi-me que só haveria uma forma de me sentir confortável. Respeitar a cultura daquela nova nação. No caso da Guiné era mesmo um caldo de culturas. Mandjacos, Mandingas, Papéis, Balantas e alguns grupos dos países limítrofes. A língua mais falada era o crioulo. E na escola encontrava jovens filhos de guerrilheiros que falavam russo, outros espanhol (de Cuba), outros ainda Francês (os que vinham da Guiné-Conakri ou do Senegal). Aulas de Física e de Química a estes meninos e meninas era um trabalho múltiplo. Procurava falar num Português claro e simples. Depois algum aluno que percebesse bem o Português e falasse um crioulo fluente fazia a tradução. Eu atento ouvia e ia corrigindo aqui e ali.

Depois havia a vida social. Do restaurante da D. Berta ao Pidjiguitti, das cervejarias às tabancas. Aceitar o comportamento deles e tentar não os hostilizar em relação às suas crenças e hábitos. Assim passaram 2 anos até regressar definitivamente ao meu país.

Depois percorri a Europa e o meu país de norte a sul. No Porto respeitei os tripeiros e em Coimbra a Lusitânia nação. Em Peniche podia ser eu penicheiro de gema.

Continuei a ler muito e a informar-me o melhor que podia. Mas continuo com dúvidas. Porque é que uma mulher portuguesa nos países árabes tem de andar coberta e uma árabe pode andar em Portugal vestida com Burca deixando só os olhos à vista? Eu pude organizar-me mentalmente para viver num país diferente do meu, de maioria muçulmana,  na sequência de uma guerra horrenda, com imenso respeito pela sua cultura e vida social.

Porque não hão-de povos culturalmente diferentes do meu respeitar os hábitos e normas do meu país?

   

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