DUVIDO,
LOGO EXISTO
Sinto que
tenho uma história de vida que me permite aceitar algumas coisas e recusar
outras. Quando se deu o 25 de Abril mantive-me a trabalhar na minha terra por
um país de esperança até que se deu o 25 de Novembro. Tive imensa dificuldade
em digerir que aquela revolução linda que eu tinha vivido estaria prestes a ser
sufocada. Dei por mim a pensar o que fazer da minha vida.
Não era
professor do quadro. O meu emprego era periclitante. Emigrar era uma solução.
Alguns amigos meus tinham ido para o Canadá, outros para os Estados Unidos,
outros para a Alemanha. Teria facilidade em encontrar trabalho. Foi então que
me ocorreu a possibilidade de me oferecer como cooperante para algum dos países
que tinham sido colónias de Portugal. Aconteceu ser a Guiné-Bissau. Quando lá
cheguei apercebi-me que só haveria uma forma de me sentir confortável.
Respeitar a cultura daquela nova nação. No caso da Guiné era mesmo um caldo de
culturas. Mandjacos, Mandingas, Papéis, Balantas e alguns grupos dos países
limítrofes. A língua mais falada era o crioulo. E na escola encontrava jovens
filhos de guerrilheiros que falavam russo, outros espanhol (de Cuba), outros
ainda Francês (os que vinham da Guiné-Conakri ou do Senegal). Aulas de Física e
de Química a estes meninos e meninas era um trabalho múltiplo. Procurava falar
num Português claro e simples. Depois algum aluno que percebesse bem o
Português e falasse um crioulo fluente fazia a tradução. Eu atento ouvia e ia
corrigindo aqui e ali.
Depois
havia a vida social. Do restaurante da D. Berta ao Pidjiguitti, das cervejarias
às tabancas. Aceitar o comportamento deles e tentar não os hostilizar em
relação às suas crenças e hábitos. Assim passaram 2 anos até regressar
definitivamente ao meu país.
Depois
percorri a Europa e o meu país de norte a sul. No Porto respeitei os tripeiros
e em Coimbra a Lusitânia nação. Em Peniche podia ser eu penicheiro de gema.
Continuei a
ler muito e a informar-me o melhor que podia. Mas continuo com dúvidas. Porque
é que uma mulher portuguesa nos países árabes tem de andar coberta e uma árabe
pode andar em Portugal vestida com Burca deixando só os olhos à vista? Eu pude
organizar-me mentalmente para viver num país diferente do meu, de maioria
muçulmana, na sequência de uma guerra
horrenda, com imenso respeito pela sua cultura e vida social.
Porque não
hão-de povos culturalmente diferentes do meu respeitar os hábitos e normas do
meu país?
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