A DOR DE
ESCREVER
Há 57 anos
o dia de S. Martinho calhou a um sábado. Esse ano de 1961 foi o ano em que fui
estudar para Lisboa. Morava na Rua S. Felipe de Nery ali ao Rato e estudava na
Escola Industrial Machado Castro.
Nesse
fim-de-semana foi combinado eu ir passa-lo a casa dos meus tios na “Porcalhota”.
Os tios a que me refiro eram a minha tia-avó Gertrudes (irmã da minha avó
Guilhermina) e o marido o Sr. Cepêda. A “Porcalhota era uma zona periférica da
Amadora. Eu apanhava o Autocarro da Carris junto ao Hotel Ritz e lá ía numa
grande aventura até às portas de Benfica, fazendo o resto percurso a pé.
Nesse fim-de-semana
lá fui. E tudo correu bem até… que na madrugada do dia 12 bateram à porta de
casa dos meus tios. Era uma vizinha deles que tinha telefone e que fazia o
favor de permitir aos meus tios que o utilizassem, dizendo que havia uma
chamada de Peniche lá para casa. Eram os meus pais telefonando informando da
morte da minha avó Guilhermina.
A minha avó
era a figura central da minha família mais próxima. Hoje percebo que era uma
família um pouco matriarcal. O meu pai era filho único. O meu avô era um
ideólogo. A minha mãe era uma pessoa dependente das vontades de meu pai e da
minha avó. Esta é que determinava o que era importante para nós todos.
Eu então
não me apercebia mas a morte da minha avó estava a determinar o fim de uma era
na minha família. E a passagem do poder executivo dela para o meu pai. Foi a
sua morte que determinou que o meu irmão voltasse para casa. Ele que desde os 3
anos de idade tinha ficado em casa da minha avó e aos cuidados dela. O meu
irmão era na altura um estranho para mim. E bem vistas as coisas ao longo de
muitos anos nunca reparámos totalmente essa ferida. Foi com a morte da minha
avó que eu aprendi a conhecer verdadeiramente o meu pai. Ela nunca permitiu que
ele se aproximasse muito de mim e de minha mãe. Esta, a troco de um lar submeteu-se
a todas as vicissitudes de um casamento frustrante. Não que ela não gostasse de
meu pai, mas acima de tudo temia-o e pior que tudo temia a mãe dele. Temia-a
tanto que durante muitos anos após a morte dela continuava incapaz de usar ou
utilizar qualquer coisa que lhe tivesse pertencido.
Toda esta
memória me assaltou este fim-de-semana na celebração da morte da minha avó. Que
terminou com uma missa legado que recebi da minha mãe.
Se me
perguntarem se tudo isto me fez sofrer. Sim é verdade. Sobretudo por pensar que
a minha avó determinou uma série de factos que condicionaram a vida de toda uma
família. Deu para pensar que a felicidade é algo que se conquista todos os dias.
Não cabe em herança a ninguém. Curiosamente eu conquistei a minha felicidade
num espaço-casa que lhe pertenceu e que ela nunca desejou para mim. Eu fui
sempre o neto que não existia para a minha avó. Mas acabei por ser aquele que
conseguiu preservar a memória dela apesar de isso não representar qualquer
recordação de amor da mim por ela. Eu fui um embaraço para ela. Ela ajudou-me a
conquistar a vontade de ser feliz. Isso lhe devo.
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