terça-feira, novembro 13, 2018


A DOR DE ESCREVER

Há 57 anos o dia de S. Martinho calhou a um sábado. Esse ano de 1961 foi o ano em que fui estudar para Lisboa. Morava na Rua S. Felipe de Nery ali ao Rato e estudava na Escola Industrial Machado Castro.

Nesse fim-de-semana foi combinado eu ir passa-lo a casa dos meus tios na “Porcalhota”. Os tios a que me refiro eram a minha tia-avó Gertrudes (irmã da minha avó Guilhermina) e o marido o Sr. Cepêda. A “Porcalhota era uma zona periférica da Amadora. Eu apanhava o Autocarro da Carris junto ao Hotel Ritz e lá ía numa grande aventura até às portas de Benfica, fazendo o resto percurso a pé.

Nesse fim-de-semana lá fui. E tudo correu bem até… que na madrugada do dia 12 bateram à porta de casa dos meus tios. Era uma vizinha deles que tinha telefone e que fazia o favor de permitir aos meus tios que o utilizassem, dizendo que havia uma chamada de Peniche lá para casa. Eram os meus pais telefonando informando da morte da minha avó Guilhermina.
A minha avó era a figura central da minha família mais próxima. Hoje percebo que era uma família um pouco matriarcal. O meu pai era filho único. O meu avô era um ideólogo. A minha mãe era uma pessoa dependente das vontades de meu pai e da minha avó. Esta é que determinava o que era importante para nós todos.

Eu então não me apercebia mas a morte da minha avó estava a determinar o fim de uma era na minha família. E a passagem do poder executivo dela para o meu pai. Foi a sua morte que determinou que o meu irmão voltasse para casa. Ele que desde os 3 anos de idade tinha ficado em casa da minha avó e aos cuidados dela. O meu irmão era na altura um estranho para mim. E bem vistas as coisas ao longo de muitos anos nunca reparámos totalmente essa ferida. Foi com a morte da minha avó que eu aprendi a conhecer verdadeiramente o meu pai. Ela nunca permitiu que ele se aproximasse muito de mim e de minha mãe. Esta, a troco de um lar submeteu-se a todas as vicissitudes de um casamento frustrante. Não que ela não gostasse de meu pai, mas acima de tudo temia-o e pior que tudo temia a mãe dele. Temia-a tanto que durante muitos anos após a morte dela continuava incapaz de usar ou utilizar qualquer coisa que lhe tivesse pertencido.
Toda esta memória me assaltou este fim-de-semana na celebração da morte da minha avó. Que terminou com uma missa legado que recebi da minha mãe.

Se me perguntarem se tudo isto me fez sofrer. Sim é verdade. Sobretudo por pensar que a minha avó determinou uma série de factos que condicionaram a vida de toda uma família. Deu para pensar que a felicidade é algo que se conquista todos os dias. Não cabe em herança a ninguém. Curiosamente eu conquistei a minha felicidade num espaço-casa que lhe pertenceu e que ela nunca desejou para mim. Eu fui sempre o neto que não existia para a minha avó. Mas acabei por ser aquele que conseguiu preservar a memória dela apesar de isso não representar qualquer recordação de amor da mim por ela. Eu fui um embaraço para ela. Ela ajudou-me a conquistar a vontade de ser feliz. Isso lhe devo.

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