quarta-feira, agosto 19, 2020


RELEVANCIAS DOS TEMPOS DA OPOSIÇÃO DEMOCRÁTICA

Eu nasci em Junho de 1944. A nível local a primeira personagem de que me recordo ligada ao Estado Novo é o Presidente da Câmara, António Bento e o seu companheiro de jornada, o Zé Bento (José Fernandes Bento).

O António Bento inicia a sua tarefa de representação do Estado Novo no Concelho de Peniche em Agosto de 1949 e leva essa missão até Julho de 1961. Representa isso para mim, um período que vai desde os meus 5 anos até aos 17. Abrangendo pois a parte da minha adolescência em que se formam os meus princípios e formação, religiosa, politica e social. Em parceria com ele sempre o seu irmão, figura ímpar da nossa praça.

 

Talvez mereça a pena recuar um pouco no tempo para conhecer melhor estas personagens. Nados e criados no vizinho Concelho da Lourinhã, filhos de figuras com alguma relevância local, cedo se apercebem que Peniche e o seu Concelho em desenvolvimento latente, representam um meio eficaz para o seu crescimento social e económico. Instalam-se ambos no comércio local em firmas de figuras locais conceituadas e preparam de forma inteligente a sua ascensão. Ambos namoriscam e acabam por casar com as filhas dos seus patrões, interpretam as figuras dos católicos convictos, aderem às camadas sociais em desenvolvimento e a breve trecho são figuras representativas das forças políticas em exercício, primeiro a União Nacional e posteriormente a Acção Nacional Popular máscara renovada do que de mais podre a politica Salazarista produziu. Ambos comerciantes em ascensão, o José Fernandes Bento mais vocacionado para o sector económico e o António da Conceição Bento para os sectores político, social e religioso. 

A breve trecho o António ascende na UN e acaba por ser convidado seu dirigente local e de seguida para o inicio de um longo mandato como Presidente da Câmara do Concelho menos desenvolvido do Distrito de Leiria. No Concelho de Peniche na década de 50 não existe rede viária digna desse nome, a escolaridade vai em alguns casos raros até à 6ª classe e, os filhos dos mais abastados cedo eram colocados em Colégios ou instituições exteriores ao concelho. Não existia rede de esgotos domésticos, e a rede de distribuição de água era limitada a alguns (poucos) mais importantes filhos da terra. É importante referir aqui que a relação do poder político com o poder religioso se foi estreitando e desenvolvendo, constituindo uma dupla sempre visível o Padre Bastos e o António Bento.

A constituição da Fortaleza de Peniche como prisão do Regime do Estado Novo traz com ela forças militarizadas e repressivas do Estado Novo, como a PIDE, a legião, GNR, PSP e Guarda Fiscal. A decadência económica de largos grupos de membros da população, levam o Padre Bastos e o António Bento a tentarem e conseguirem prover algumas melhorias que conferissem a Peniche algum aspecto mais actual. É assim que surge uma rede de esgotos na Vila, uma rede viária a ligar Peniche aos concelhos de Caldas e Lourinhã bem como no interior do próprio Concelho. Na segunda metade dos anos 50 de século XX consegue-se aqui criar uma Escola Industrial e Comercial que permitissem alargar um pouco uma visão mais enriquecida do desenvolvimento local. Surge ao mesmo tempo a representação do Stella Maris e algumas Fábricas de Conserva ajudam a uma economia local de subsistência. E no meio disto tudo onde para o Zé Bento? Esse vai subindo no crescimento local da UN, criando um grupo de lacaios que o acolitam e se tornam seus braços de ferro. Aproveitando o conhecimento que vai tendo através da Câmara Municipal que o irmão dirige, torna-se detentor de um parque imobiliário digno de registo.

Os filhos do António Bento vão estudar para Lisboa e um obtém a licenciatura em Medicina vindo a tornar-se um cirurgião plástico de nome reputado e o outro licencia-se em Engenharia Química  pelo IST. Uma das filhas do Zé Bento licencia-se em ciências Fisico-Quimicas pela Faculdade de Ciências de Lisboa e a outra acabou por ser esposa de mais um Lourinhanense aqui acolhido, mas que já não teve o êxito do seu sogro.

Pós António Bento surge no poder politico como figura representativa um filho da Atouguia da Baleia a que se lhe seguiu o representante de uma das famílias mais conceituadas da Vila.  È com António e Zé Bento que termina uma época das mais negras deste Concelho e da miséria em que as suas populações viviam, mas em que ao mesmo tempo existiam perante as figuras que se lhes impunham pelo poder, repressão e domínio que representavam. Detendo ao mesmo tempo forças policiais ou para/policiais que lhes davam a cobertura necessária.

É desse tempo um poema (dos mutos) políticos que escrevi e que foi mesmo publicado no “Diário de Lisboa – Juvenil”:

 

BENTUS

Rastejantus

mais quebrantus que turcentus

ou turcentus que quebrrantus

conforme os pesus cimentatus se venderem

eis que vus apresentus:

 

Ser que ser ser não é

rastejantus quebrantus

truvejantus

eis bentus

que aqui vus tragus

para todos intragatus

 

Sem comentários: