A PROPÓSITO DO ÊXITO INTERNACIONAL DO FADO
Quando dou por mim a pensar na minha língua materna, penso em escritores e em poetas. E não quero falar de nenhum para não omitir outros. E de facto existem razões para falar de alguns. Dos que a lei da morte vai libertando. Dos que nos transmitiram este legado fabuloso que é a Língua Portuguesa.
Mas a nossa língua não seria hoje o que é, se num dado momento não tivéssemos ultrapassado a nossa maior fronteira (o Mar), e não partíssemos por esse mundo fora, fazendo do Planeta Terra o minúsculo grão de areia em que ele se converteu, por força desta diáspora que levou o ser lusitano a espalhar-se como o vento por tudo quanto é lugar.
E fomos Santo António de Lisboa e Wenscelau de Morais. E fomos Padre António Vieira e Vasco da Gama. E continente algum, ou nação, deixou de ser espaço oculto ou virgem para a presença portuguesa. Em todo esse caminhar foram ficando as marcas da nossa língua e da nossa cultura.
A emigração, por força de uma vontade indómita de vencer fora as nossas desgraças caseiras, veio dar um novo alento à circum-navegação que reside em cada um de nós.
Neste percorrer caminhos vai sempre connosco o mito e a Saudade. Porque “O mito é o nada que é tudo”, como dizia o Poeta, e em poesia somos gente. Porque a Saudade está em nós e é só nossa, sentimento não repetível para nenhum outro povo ou nação.
E o mito e a saudade deram as mãos numa simbiose perfeita, que o Fado reproduziu. O Fado saíu em barcas Tejo a baixo. Atravessou mares e continentes. Faltava ao Fado a Voz. Nas ruas de Alfama, pelos becos da Mouraria, dedilhavam-se guitarras num apelo pungente em busca da alma gémea com quem partilhar melodias e poetas, alegrias e dor.
Na Ribeira entre limões e laranjas, com o cheiro da sardinha assada e o sabor dos “Jaquinzinhos”, tocou o Fado a mão de uma menina, que cantando se fez mulher e ao oferecer-se a nós se tornou Senhora. Nossa Senhora de mim e de todos nós.
A cantar Português Ela foi ouvida e entendida em toda a Babel. E a rapariga dos limões é a Senhora que atravessou com o xaile o coração de todos nós. E à Senhora dos campos e das flores silvestres, renderam-se os grandes e ricos, os pobres e desesperados, marinheiros e vadios, canalhas e homens cultos, déspotas e sonhadores.
O seu corpo sepultado entre alguns dos vultos mais importantes da nossa História comum. A sua Voz e a sua Alma, continuarão entre nós, nos salões e nas ruelas, entre pescadores e príncipes, nas cidades e aldeias. Cantando Português, dando sentido ao Povo que somos.
Sem comentários:
Enviar um comentário