quinta-feira, abril 30, 2015

1º DE MAIO
Nos idos de 60 do século passado, era uma tarde quente nas ruas de Campo de Ourique. As aulas no velho IIL da Buenos Aires tinham decorrido da forma habitual para um final de ano lectivo com frequências próximas. O pessoal de Peniche juntou-se à porta do Instituto e viemos em direcção à estrela com a mesma boa disposição de sempre. Uns panfletos espalhados em lugares improváveis informavam os estudantes que se preparava uma manifestação comemorativa do 1º de Maio nas ruas do nosso Bairro. Subimos a Domingos Sequeira e quando chegámos ao cruzamento com a Saraiva de carvalho vimos logo o nosso colega Baltazar sentado num passeio em frente ao “Canas”. Um aglomerado de pessoas quase indistinto para os nossos olhares desatentos, juntava-se perto dele.
Dirigimo-nos a ele e depois de um breve cumprimento pois ele quase que parecia não nos conhecer, fomos em direcção ao nosso local de poiso habitual, “O Meu Café”.
O fim da tarde aproximava-se e viam-se muitos trabalhadores que se dirigiam para casa, engrossando os moradores habituais começamos a perceber uma movimentação pouco usual de pessoas mais velhas e mais jovens que se deslocavam a correr em sentido contrário ao nosso. Atrás deles corriam policias fortemente armados que brandiam as coronhas das armas e bastões agredindo tudo e todos. Nós que passávamos junto ao “Ertilas” entramos para nos refugiarmos daquelas agressões. Em boa hora o fizemos. Um dos empregados da pastelaria logo fechou a porta e nos disse para nos postarmos quietos até aquela barafunda passar. Por entre os vidros viam-se passar carrinhas com vidros negros e de lá de dentro viam-se flashes de máquinas fotográficas que disparavam retratando quem se encontrava na rua.
Fixei um pobre homem que vinha do trabalho com uma lancheira na mão. Ao cruzar-se com um polícia de choque levou 2 bastonadas e caiu no chão a sangrar. Quando os polícias passaram ele a custo levantou-se, levantou um punho, gritou “Viva a Liberdade” e desatou a fugir como se a sua vida dependesse disso. Em minha opinião ali nasceu naquele momento mais um comunista.

Passada mais de uma hora saímos do nosso refúgio. No café soubemos que o Baltazar tinha sido levado para o hospital sob prisão.
Mais tarde vim a encontra-lo em Alcobaça de onde era natural e muito mais tarde veio a ser funcionário do PCP em Peniche.

Esta foi a minha experiência do meu primeiro “1º de Maio”. Data a que a partir daí passei a respeitar e a tentar dignificar à minha maneira. Passados mais de 50 anos vejo hoje a maioria dos trabalhadores e das empresas terem pelo DIA DO TRABALHADOR o mesmo tipo de atitude que têm por generalidades e minudências.

A luta de milhões pela sua dignidade foi-se como um fumo. As pancadas, as prisões e o sangue que correu e corre ainda hoje, contra quem não dignifica o trabalho parece coisa de filme de ficção.
Por mim vou morrer com a visão daquele dia 1º de Maio nas ruas de Campo de Ourique.   

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