quarta-feira, maio 21, 2008

O PODER/OS PODERES
In “LIÇÃO”
De Roland Barthes

- Proferida em 7 de Janeiro de 1977
Publicado por Edições 70

«…A “inocência” moderna fala do poder como se ele fosse apenas um: de um lado os que o têm, do outro os que o não têm; pensámos que o poder era um assunto exemplarmente político; acreditamos agora que também é um objecto ideológico, que se insinua por todo o lado, por onde não é inteira e imediatamente captado, nas instituições, no ensino; mas, em suma, que é sempre um. E se todavia o poder fosse plural como os demónios? “O meu nome é Legião”, poderia ele dizer: por toda a parte, de todos os lados, chefes, aparelhos, enormes ou minúsculos, grupos de opressão ou de pressão; por todo o lado vozes “autorizadas”, que se autorizam a impor o discurso de qualquer poder: o discurso da arrogância. É quando adivinhamos que o poder está presente nos mecanismos mais subtis da comunicação social: não apenas no Estado, nas classes, nos grupos, mas ainda nas modas, nas opiniões correntes, nos espectáculos, jogos, desportos, informações, nas relações familiares e privadas e até nas forças libertadoras que tentam contestá-lo: chamo discurso de poder a todo o discurso que engendra a culpa e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o ouve. Há pessoas que esperam que nós, intelectuais, nos agitemos em todas as ocasiões contra o Poder; mas a nossa verdadeira guerra é diferente e ocupa um outro espaço; a guerra é contra os poderes, e esse combate não é fácil: porque se o poder é plural no espaço social, também é perpétuo no tempo histórico: perseguido, debilitado aqui, reaparece além; nunca definha: façam uma revolução para o destruir e imediatamente renascerá, voltando a germinar no novo estado das coisas. A razão desta resistência e desta ubiquidade é devida ao facto de o poder ser o parasita de um organismo trans-social, ligado a toda a história do homem e não apenas à sua história política, histórica. O objecto em que o poder se inscreve é, desde sempre, a linguagem – ou, para ser mais preciso, a sua expressão obrigatória: a língua.»

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