Dolorosas por duas ordens de razão: pelo que representaram na altura em que se deram e, pelo esquecimento voluntário ou não, a que foi votado na minha terra quem com o seu exemplo de dignidade e humanismo ajudou a construir o Portugal de Abril que hoje vivemos.
Refiro-me a meu sogro ÁLVARO DOS SANTOS MARTINS, guarda prisional antes do 25 de Abril que foi preso pela polícia política e afastado compulsivamente da sua actividade profissional com todos os traumas que isso lhe produziu e à sua Família.
O meu sogro que foi defendido nos Tribunais Plenários pelo candidato à Presidência da República Arlindo Vicente e que ao ser privado da Liberdade por 3 anos, deixou em casa esposa e 4 filhos respectivamente com 8, 6, 3 e 2 anos.
Para poder garantir o seu sustento e o da sua prole, a minha sogra com ajuda exclusiva da família e da máquina de costura, foi criando as meninas e meninos, podendo hoje rever-se nos filhos que educou.
Ao regressar da prisão, como barbeiro e com um cafezito, foi colaborando na subsistência familiar, embora sofrendo as humilhações das apresentações periódicas na PSP como se de um criminoso se tratasse e com o anátema de ser comunista, o que afastava muita gente da sua fonte de rendimento, mesmo alguns que logo após o 25 de Abril passaram a gritar loas a plenos pulmões à Liberdade. A filha mais velha chegou mesmo a ser hostilizada na Escola Primária por ter um pai preso político.
Sobre todo este drama, Peniche passou uma esponja, porque o Álvaro nunca foi pessoa de se por em bicos dos pés a implorar reconhecimento. Foi um guarda prisional digno, um preso político sem nunca vergar e libertado bastou-lhe a sua consciência de homem para se sentir bem consigo próprio e com os outros.
Julgo que quem sai mal disto tudo é uma terra que esquecendo os seus filhos que pagaram caro os seus exemplos de dignidade e de verticalidade, não conseguirá nunca reconciliar-se consigo. Felizmente que alguém fez a história desses tempos e, o meu sogro que na sua terra não existe, vai ficar para todo o sempre com o lugar que merece no registo dos que lutaram por um Portugal como país de dignidade.
Aqui vai um pouco da História de um digno filho de Peniche que merece ser recordada.
Para que o 25 de Abril tenha merecido a pena.
No livro “A HISTÓRIA DA PIDE” de Irene Flunser Pimentel, (Prémio Pessoa 2008) das edições “Circulo dos Leitores – Colecção Temas e Debates”, pág. 451 é assim relatado o calvário do Álvaro Martins, às mãos da PIDE:«XVI.3.3.2 O papel de alguns guardas prisionais
…um guarda prisional foi castigado em Caxias “por se ter prestado a conduzir a correspondência de um recluso para o exterior, sem ser vista pela censura”.
…um guarda prisional de Peniche foi acusado pelos chefes dos guardas de prestar auxílio aos presos e foi punido com transferência para outra prisão, enquanto, no mesmo período, outros colegas seus sofreram perseguições por “fazerem vista grossa” aos “contactos organizativos” dos presos.
É possível que um desses casos tenha ocorrido com o guarda prisional Álvaro dos Santos Martins, que após 1974, contou a forma como foi vítima da PIDE. Segundo relatou, mal chegou a Peniche, no início dos anos 50, o chefe dos guardas Ramos começou a persegui-lo. Um dia, o inspector dos Serviços Prisionais, Orbílio Barbas, avisou-o de que tinha sido alvo de uma denúncia, pelo que o ia transferir para Caxias, para evitar “o pior”. O pior aconteceu em 9 de Janeiro de 1954, quando cerca de seis elementos da PIDE o foram buscar ao reduto sul de Caxias, onde trabalhava, e, acusando-o de pertencer ao PCP, o levaram para o terceiro andar da sede da polícia, onde foi pontapeado.
Ao ser interrogado por uma equipa dirigida pelo inspector Porto Duarte, o então sub-inspector Gouveia disse àquele: “este homem não tem nada, o mais que pode ser é um descontente”. Isso não obstou porém a que o próprio Gouveia colocasse Álvaro Martins no “sono” e na “estátua”, antes de Chico Fernandes lhe dar uma “chapada e um pontapé”. O guarda prisional (Álvaro Martins) foi ainda sujeito a diversos castigos, um dos quais consistiu no seu envio para as casamatas de Caxias, onde ficou, com oito companheiros, durante 20 dias, a dormir no chão, na escuridão, sem roupa para se tapar. Sujeito a dois processos, um comum, nas Caldas da Rainha, onde foi absolvido, foi condenado, no processo político, a dois anos e meio de pena maior e medidas de segurança de seis meses, que cumpriu.»
*Tive muitas dúvidas sobre se seria ético eu escrever isto sobre alguém a quem estou ligado por laços familiares. Achei que sim. Não tenho que ter pudor em falar sobre aqueles que o merecem, sejam eles quem foram.
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