quinta-feira, setembro 29, 2016


UMA VIDA PERDIDA (?)

O meu amigo nasceu num tempo em que não havia crise. Havia fome. Fome de não ter que comer. Os barcos entravam em reparação e acabava o pão nosso de cada dia. Com mãe doméstica e pai pescador/bêbado no dia a dia, com  irmãs tão esbanjadoras como o pai, assim que vinha o defeso e sem rendimento social nem fundo de desemprego, nem cruz vermelha, nem a sopa dos pobres, restava fazer peditório pelos familiares mais abonados. Mas todos recusavam qualquer ajuda. E alguns eram mestres e armadores.

A madrinha não o conhecia. E no entanto vivia bem. Ele tinha sapatos rotos. E ar de fome.

Tinha nascido o meu amigo com um dom que ele nem sabia bem que fazer com ele. Cedo o Padre Bastos se apercebeu do milagre que se tinha operado naquela criança. E levava-o em nome do Stella Maris a representar os filhos dos pescadores. O que o pai sempre recusou.

Para comer inscreveu-se na escola de pesca onde também veio a encontrar professores que tendo o dever de o tratarem como criança o violentavam com agressões desumanas. Felizmente que por cada um que o maltratava e agredia surgia sempre outro que o acarinhava e o apoiava.

Aos 9 anos encontrou a profissão que ainda hoje é a sua. Casou novito para se ver livre da dependência familiar doentia a que estava sujeito. Mesmo assim as e com as parcas posses que ia juntando com trabalhos suplementares, mesmo assim tudo lhe foi roubado pela família mais próxima antes de se casar.

Procurou em trabalhos pelas sete partidas do mundo reconstruir a sua vida. O que com esforço, dedicação, trabalho e grande solidariedade de amigos e companheiros de jornada, conseguiu. E com o dom com que nasceu.

Hoje, marido, pai e avô é um símbolo de um Homem que se construiu a pulso a quem quero dedicar este texto que lamento não reproduzir nem um pouco de uma vida linda de contar, em que a dignidade presidiu sempre à sua conduta.

Tenho orgulho neste meu amigo e sinto-me em divida para com ele pela amizade que me dedica.

 

  

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