MEMÓRIAS
A 8 de
Dezembro de 1975 eu cheguei à República da Guiné-Bissau para vir lá a trabalhar
como cooperante na área da educação durante 2 anos. A primeira sensação que
tive foi de cheiro a terra. E um outro cheiro que então eu não identifiquei mas
que mais tarde vim a saber tratar-se de grandes queimas de milhões de
gafanhotos, pois dias antes teria havido uma praga desses insectos predadores.
No meu
primeiro ano fui trabalhar para a Escola Técnica Vitorino Costa situada em Brá,
relativamente perto do aeroporto. Esta escola funcionava no antigo quartel dos
comandos e recebeu os “filhos da luta”, meninos que eram órfãos de guerra e que
se tinham espalhado durante anos por Moscovo, Cuba, República da Guiné-Conakri
e Senegal. Esta foi das experiências mais enriquecedoras que tive como
professor. Os alunos falavam Papel, ou Mandinga, ou Manjaco, ou Fula e falavam
a língua do país que os acolhera. Falavam ainda a língua da etnia a que pertenciam.
Todos falavam crioulo. Raros falavam Português. Eu dava as minhas aulas (de
Física ou de Química) em Português escolhia um aluno dos que arranhavam o
português que vertessem o que eu tinha dito para crioulo, corrigia algumas
informações e lá seguíamos. Não era fácil mas lá nos entendíamos e eu comecei
também a arranhar o crioulo e eles a falarem melhor o português. Por vezes e
inesperadamente recebíamos a visita do “camarada Luis Cabral” que vinha saber
dos sucessos dos seus meninos.
No 2º ano
tornou-se tudo mais fácil. Fui trabalhar para Bissau para o Liceu Nacional
Kwame N’ Krumah. Já mais gente palrava o “português”.
Eu fui
primeiro instalado num Lar e depois passei para um apartamento do Hotel
Pidjiguiti, situado na zona onde se deu a primeira revolta na Guiné-Bissau
contra o colonialismo português.
Quando fui
para a Guiné fiz-me acompanhar de uns quantos discos de música clássica e dos
discos que na altura eu tinha da Amália. À noite sentava-me na esplanada do
Hotel, bebia umas cervejas e tinha como pano de fundo o som do fado naquela voz
inesquecível. Foi aí que conheci por causa da Amália um grande amigo dela que
também tinha vindo procurar respostas à Guiné. Foram muitas as noites de
tertúlia que passámos. E no final desses 2 anos quando nos despedimos esse
amigo de sempre, ofereceu-me 2 postais que ele tinha trazido de Lisboa para
Bissau. Esses postais que vos dou a conhecer agora, nunca mais me abandonaram.
Comigo têm 40 anos e sempre estiveram próximos. Fazem parte das minhas memórias.
Para sempre.
Sem comentários:
Enviar um comentário