segunda-feira, maio 22, 2017


O QUE É O HOMEM CULTO?

 É aquele que:
1.º - Tem consciência da sua posição no cosmos e, em particular, na sociedade a que pertence;
2.º - Tem consciência da sua personalidade e da dignidade que é inerente à existência como ser humano;
3.º - Faz do aperfeiçoamento do seu ser interior preocupação máxima e fim último da vida.

Ser-se culto não implica ser-se sábio; há sábios que não são homens cultos e homens cultos que não são sábios; mas o que o ser culto implica, é um certo grau de saber, aquele precisamente que fornece uma base mínima para a satisfação das três condições enunciadas.

A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade.

E para atingir esse cume elevado, acessível a todo homem, como homem, e não apenas a uma classe ou grupo, não há sacrifício que não mereça fazer-se, não há canseira que deva evitar-se. A pureza que se respira no alto compensa bem fadiga da ladeira.

Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura - que ele seja economicamente independente. Consequência - o problema económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou duma tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na impotência, ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos.

Não deve também confundir-se cultura com civilização.

O grau de civilização de um povo mede-se pela quantidade e qualidade dos meios que a sociedade põe à disposição do indivíduo para lhe tornar a existência fácil; pelo grau de desenvolvimento dos seus meios de produção e distribuição; pelo nível de progresso dos seus meios de produção e distribuição; pelo nível de progresso científico e utilização que dele se faz para as relações da vida económica.

O seu grau de cultura mede-se pelo conceito que ele forma do que seja a vida e da facilidade que ao indivíduo se deve dar para a viver; pelo modo como nele se compreende e proporciona o consumo; pela maneira e fins para que são utilizados os progressos da ciência; pelo modo com entende a organização das relações sociais e pelo lugar que nelas ocupa o homem.

Assim, um povo pode ser civilizado e não ser culto e vice-versa. Não pode, por exemplo, comparar-se o nível desenvolvido de civilização do povo americano actual com o incipiente do povo ateniense do período áureo, como não podem comparar-se os seus respectivos graus de cultura, muito superior o deste ao daquele
. Entre um Péricles e um Hoover medeia uma distância enorme, aquela mesma que separa o povo que aplicava a lei do ostracismo para evitar que um indivíduo influente pudesse exercer coacção sobre a liberdade dos cidadãos, daquele outro povo em que há anos foi possível que um grupo de homens metesse outro homem, porque era revolucionário, dentro de uma gaiola e o andasse mostrando de terra em terra, a tanto por cabeça.

 Bento de Jesus Caraça

In conferência A cultura integral do individuo

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