EM TEMPO DE ELEIÇÕES…
"O País perdeu a
inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os
caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a
conveniência.
Não há princípio
que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se
respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já se não crê na
honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na
imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos vão
abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia.
Vivemos todos ao
acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver espiritual,
intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se,
envelhecida, das mesas das secretarias para as mesas dos cafés. A ruína
económica cresce, cresce, cresce... O comércio definha, A indústria enfraquece.
O salário diminui.
A renda diminui. O
Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um
inimigo.
Neste salve-se quem puder a burguesia
proprietária de casas explora o aluguel. A agiotagem explora o juro.
De resto a
ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número das escolas só por si é
dramático. O professor tornou-se um empregado de eleições. A população dos
campos, arruinada, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha e
de ervas, trabalhando só para o imposto por meio de uma agricultura decadente,
leva uma vida de misérias, entrecortada de penhoras. A intriga política
alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do País. Apenas a devoção perturba
o silêncio da opinião, com padre-nossos
maquinais.
Não é uma
existência, é uma expiação.
E a certeza deste
rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte: «o País
está perdido!» Ninguém se ilude. Diz-se nos conselhos de ministros e nas
estalagens. E que se faz? Atesta-se, conversando e jogando o voltarete, que de
Norte a
Sul, no Estado, na
economia, na moral, o País está desorganizado – e pede-se conhaque!
Assim todas as
consciências certificam a podridão; mas todos os temperamentos se dão bem na
podridão!
Nós não quisemos
ser cúmplices na indiferença universal. E aqui começamos, sem azedume e sem
cólera, a apontar dia por dia o que poderíamos chamar – o progresso da
decadência. Devíamos fazê-lo com a indignação amarga de panfletários?
Com a serenidade
experimental de críticos? Com a jovialidade fina de humoristas?
Não é verdade,
leitor de bom senso, que neste momento histórico só há lugar para o humorismo?
Esta decadência tomou-se um hábito, quase um bem-estar, para muitos uma
indústria. Parlamentos, ministérios, eclesiásticos, políticos, exploradores,
estão de pedra e cal na corrupção. O áspero Veillot não bastaria; Proudhon ou
Vacherot seriam insuficientes. Contra este mundo é necessário ressuscitar as
gargalhadas históricas do tempo de Manuel Mendes Enxúndia. E mais uma vez se
põe a galhofa ao serviço da justiça!
Achas imprudente?
Achas inútil? Achas irrespeitoso? Preferias que fizéssemos um jornal político,
com todas as suas inépcias e todas as suas calúnias, vasto logradouro de ideias
triviais, que desmaiam de fadiga entre as mãos dos tipógrafos?
….
Aqui estamos pois
diante de ti, mundo oficial, constitucional, burguês, doutrinário e grave!
Não sabemos se a
mão que vamos abrir está ou não cheia de verdades. Sabemos que está cheia de
negativas.
Não sabemos,
talvez, onde se deve ir; sabemos, decerto, onde se não deve estar.
Catão, com Pompeu e
com César à vista, sabia de quem havia de fugir, mas não sabia para onde.
Ternos esta meia ciência de Catão.
De onde vimos? Para
onde vamos? – Podemos apenas responder:
Vimos de onde vós
estais, vamos para onde vós não estiverdes.
Nesta jornada,
longa ou curta, vamos sós. Não levamos bandeira, nem clarim."
“AS FARPAS” – Eça de Queiroz (1871)
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