segunda-feira, janeiro 20, 2014

20 DE JANEIRO

Esta é uma data fétiche para mim. Tem que ver com duas etapas da minha vida extremamente marcantes.
20 de Janeiro é a data em que se comemora a morte nunca completamente esclarecida de Amílcar Cabral. É feriado na República da Guiné-Bissau.
Recordo a frase premonitória de AC, "Se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC, só nós próprios".
Os 2 anos que passei naquele país fizeram mais pelo meu equilíbrio ideológico, do que todos os livros que li.
Ali aprendi que um povo só o é quando decide ser ele mesmo a tomar as rédeas do poder. Ninguém pode substituir a capacidade de liderança e de justiça de um povo quando se ergue para exercer a defesa dos seus direitos. Só quando o delega em militares, em juízes, em políticos, é que tudo se torna aberrante e asqueroso. Em criminoso. Isto aprendi eu com Amílcar Cabral. Nos seus escritos e nas suas práticas que me foram contadas por quem com ele conviveu. Aprendi na Mata de Morés. E nas “passadas” de Olussato. Aprendi (con)vivendo na leprosaria. Em Bafatá. Nas ilhas Bijagós. Os diferentes povos da República da Guiné-Bissau eram extremamente orgulhosos e dignos. De uma dignidade de nível superior. Até que abdicaram da sua capacidade de luta e se deixaram dominar pelos senhores da guerra. Que começaram por assassinar Amílcar Cabral. Depois passaram a ir matando todos os que se lhe opusessem. À sua fome de poder e de dinheiro. E assim se destruiu um povo e uma nação.
O meu outro 20 de Janeiro tem a ver com a minha estadia na Lourinhã 10 anos depois da Guiné. Na Lourinhã e nesta data celebra(va)-se o S. Sebastião. Era uma festa organizada por voluntariado. As forças vivas da terra juntavam-se e em espaços adjacentes à capela do Santo, para com convívios, fraternidade e amizade, moverem montanhas em direcção às causas sociais que apoiavam. Todos os dias durante uma semana havia comes e bebes, jantaradas, organizadas pelos restaurantes locais, em que todos poderiam participar. Durante a tarde, quando se ouviam os foguetes era porque tinham chegado à tasca, os bolos caseiros (tipo ferraduras) que se compravam para levar para casa ou para acompanhar ali mesmo com um copo de tinto ou branco. O S. Sebastião na Lourinhã marcou-me profundamente. Estou a escrever e estou a ouvir o João Manel a tocar guitarra e a cantar um fado. Estou a escrever isto e estou numa noite do S. Sebastião a jantar com a minha mulher, a Dági, a Zinha, a Luísa e a Margarida. Estou a ver a filharada toda brincando. O sabor da moreia frita do “Macaco” e de tantos outros petiscos desse tempo em que a Escola não era uma maldição. A Escola era de facto a continuação do dia a dia e os amigos da “Vila” eram os que nos confiavam os seus meninos e meninas.
O 20 de Janeiro faz-me recuar à Guiné e à Lourinhã. Duas etapas da minha vida feliz como professor. Onde vi e vivi muito mais do que aquilo que é expectável hoje em dia para um professor.     

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