segunda-feira, abril 24, 2017


AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU

Compreendo perfeitamente os meus amigos da minha idade ou à volta disso que sonharam em viver num país em que as liberdades não fossem uma mera utopia. Compreendo os que entregaram a sua vida a uma luta desigual contra os que dominavam o poder económico e político num país em que só o sol parecia nascer por igual para ricos e pobres.

Compreendo os meus amigos que descalços e doentes e pobres, tinham dificuldade em perceber porque tudo lhes tinha de ser adverso.

Alguns emigraram. Foram para países em que continuavam a levar a mesma vida de trabalhadores esforçados. Mas só que eram bem pagos para o serem. Mas nunca perceberam que naqueles países se vivia uma outra face da mesma moeda. Surgiam perante os que cá ficavam (nas suas férias) como vencedores. Mas o seu dia-a-dia nos países da emigração, não deixavam de ser um esforço constante e desumano para poderem mostrar-se vencedores. Poucos olhavam à sua volta e tentavam compreender as suas vidas. Foram para lá civicamente analfabetos e assim continuavam. Não os censuro nem julgo. O seu 25 de Abril foi a força do seu trabalho e a sua perseverança. Admiro-os. Afinal eram prisioneiros no seu país e continuaram prisioneiros como emigrantes. Lutaram contra xenofobias, contra racismos. Lutaram por serem aceites e nunca o conseguiram totalmente. Afinal o drama dos refugiados de hoje é o mesmo que os portugueses viveram nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado.

A diferença está em que hoje o analfabetismo (ou a iliteracia) não se nota. Não é necessário escrever. Existe o telemóvel que entretanto se proletarizou. E existe o skype e o viber. Hoje somos emigrantes diferentes. Emigramos de nós próprios. Somos o momento. Não é necessário aprofundar conhecimentos, nem ler. Tornou-se tudo intuitivo. Vivemos num exílio constante e só não demos por isso. Introduziram-se métodos de enriquecimento rápido (e ter dinheiro é que é importante), basta raspar, ou vender droga, ou traficá-la. Ou prestarmo-nos à exibição minuto a minuto dos nossos podres numa qualquer televisão.

Como pois quereis vós que quase meio século depois ainda alguém se interesse pelo sacrifício de meia dúzia de malucos que não tinham vida própria.

Abril abriu as portas que dão para uma forma de liberdade nunca sonhada. A de ser livre de recordações que nos pesam sobre os ombros. A de escolher as minhas próprias dores. Quero lá saber de prisões ou de presos políticos. Celebrar o 25 de Abril é viver amarrado a tempos em que ninguém já quer viver.

Abril abriu as portas que dão para um mundo em que sou eu que escolho as minhas lutas. Não as que me pretendem impor. Afinal celebrar o 25 de Abril é celebrar um passado em que já ninguém se revê.

Voltar à prisão politica uma vez por ano é revisitar fantasmas mal arrumados nas prateleiras da História. Preservar prisões é esquecer que são os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade que importa glorificar.
PS: - Já depois de editado este post vi o programa das celebrações do 25 de Abril organizadas pela Câmara Municipal dos ilustres camaradas do PCP. Não retiro uma letra ao que escrevi e estranho que aquilo que era a imagem de marca do PCP, o foguetório à meia-noite tenha desaparecido completamente. Porque naquelas cabeças era um foguete por cada ano e francamente 43 foguetes era um pouco incómodo. Mas podiam ser 25 alegorizando o 25/4. Mas capacidade criativa perdeu-se no tempo.            

  

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