segunda-feira, abril 17, 2017


O GRANDE RETROCESSO

Zygmunt Gauman

Extraído do jornal “Expresso”

“Se ainda acreditarmos no «progresso» (uma conclusão que está longe de ser óbvia), temos agora a propensão de o encarar como uma mescla de bênção e maldição – as maldições a aumentarem cada vez mais à medida que as bênçãos vão sendo em menor número e com maiores intervalos entre si.”
“Enquanto os nossos antepassados recentes ainda acreditavam que o futuro era o mais seguro e promissor depósito das suas esperanças, nós tendemos a projetar nele, essencialmente, os nossos múltiplos medos, ansiedades e preocupações – perante a crescente escassez de empregos, o decréscimo de rendimentos que reduz as oportunidades nas nossas vidas e nas dos nossos filhos, a ainda maior fragilidade da nossa posição social e a efemeridade das nossas conquistas, o gradual alargamento do fosso entre as ferramentas, os recursos e as capacidades à nossa disposição e a enormidade dos desafios com que nos deparamos. Acima de tudo, sentimos que estamos a perder o controlo sobre a nossa própria vida, relegados que ficamos ao estatuto de peões que avançam e recuam num jogo de xadrez travado entre jogadores desconhecidos, indiferentes às nossas necessidades – quando não se revelam, pura e simplesmente, hostis e cruéis para connosco – e que nunca hesitam em sacrificar‑nos para atingirem os seus próprios objetivos. Até há relativamente pouco tempo, a ideia do futuro era associada a mais conforto e menos inconveniência, mas presentemente aquilo que mais nos faz evocar é a terrível ameaça de sermos apontados ou rotulados como sendo incapazes ou desadequados para o desempenho de uma tarefa, sendo‑nos negado valor e dignidade, e, por esse motivo, sermos vaticinados à marginalização, exclusão e expulsão.”

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