segunda-feira, janeiro 17, 2011

A MORTE E OS SEUS LEGADOS
A morte é obscena. No meu caso tem-me atingido onde mais me dói. Da minha família mais próxima restam-me dois sobrinhos e uns primos. Não fora a família da minha mulher e estaria ligado a uma solidão de onde sairia para ler e ouvir música.
Um destes dias o advogado que tratou do espólio de um querido amigo meu que faleceu, entregou-me dois livros que eu lhe tinha oferecido em 1967. Vão lá 44 anos.
Os livros em questão são: “O Drama de Jean Barois” de Roger Martin du Gard e “A Conquista da Felicidade” do filósofo e matemático inglês Sir Bertrand Russell.
Sinceramente já não me recordava que lhe teria oferecido esses livros. Mas compreendo que o tenha feito conhecendo-o como eu o conhecia. Infelizmente nunca discutimos o seu conteúdo.
Um e outro falam da vida e da morte. A vida como valor. A morte como ausência dele. A vida como fonte de prazer e de dignidade, a Morte como a sua negação.
Conquista-se a Felicidade vivendo-se com dignidade.
44 anos depois sou confrontado com aquilo em que acreditava aos 23 anos e que não é assim tão diferente daquilo em que ainda hoje acredito. As minhas relações de amizade firmaram-se sempre com a oferta de livros às pessoas de quem gostava que reflectissem valores Universais e que correspondessem aos interesses do Outro.
Mas só agora com esta “devolução” eu percebi o que fazia. E sinto-me bem comigo mesmo por isso.
Interrogo-me como podem os nossos jovens agora selar amizades que se perpetuem no tempo. Os discos rígidos dos PCs não aguentam a velocidade com que se desactualizam e com que são trocados à medida que os avanços tecnológicos os vão tornando obsoletos. Com eles desaparecem emails e as ligações por msn e quejandos. Quem pode receber daqui a 44 anos um símbolo de uma amizade? Espero que rapidamente se encontrem meios para que isso seja possível. Ninguém pode imaginar o prazer e o sentimento de paz que pode trazer esse reconhecimento, quase meio século depois.

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