PROIBIÇÃO
DO USO DE TELEMÓVEIS EM ESCOLAS FRANCESAS
No “SAPO24”
de ontem dia 27/8, Francisco Sena Santos, um dos grandes jornalistas
portugueses, opina sobre aquilo que o parlamento francês aprovou e que
colocámos em epígrafe. Eu podia falar sobre o assunto mas Sena Santos acho que
diz tudo e eu só me repetiria. Por isso transcrevo o que já está dito.
“PROIBIR O TELEMÓVEL NA
ESCOLA OU EDUCAR PARA A SOBERANIA DE CADA PESSOA?”
“
A interdição sobrepõe-se a regulamentos internos dos
estabelecimentos de ensino, tem força de lei, aprovada no parlamento francês no
passado 7 de junho, com os votos favoráveis da maioria absoluta do partido En
Marche!, do presidente Macron, e o voto contra das oposições. A lei, com texto
muito curto que se limita a impor a interdição, no entanto, não define como
será garantida a aplicação desta interdição de uso de telemóveis “e outros
recursos conectados” nas 51.000 escolas e 7.100 colégios de França, que têm 10
milhões de alunos. Um estudo mostra que quase todos esses estudantes têm
telemóvel.
O telemóvel tornou-se uma extensão do corpo de cada pessoa. A
função do aparelho como telefone é hoje quase secundária. O que conta é estar
em permanência ligado aos outros, através de uma qualquer das redes sociais.
Poder trocar mensagens, ver imagens e ouvir sons, músicas. Através do telemóvel,
os tantos utilizadores dependentes estão numa espécie de praça pública
permanente, com um teatro de exibições onde tudo pode acontecer; também estão
numa sala de todo o tipo de jogos, para além de acederem a novas do mundo, as
notícias verdadeiras e as mentiras disfarçadas de notícia. O ecrã do telemóvel
também possibilita o acesso a um poço sem fim de saberes humanos armazenados na
rede da internet.
É paradoxal que um lugar de promoção do culto do saber fique
interdito ao recurso a uma ferramenta que dá acesso a tanto saber. É, porém,
indiscutível que por toda a parte o uso do telemóvel é um fator de perturbação
e um convite à desatenção sobre a matéria que está a ser ensinada. Cada alerta
recebido no ecrã leva a um desvio na participação na aula.
Do ponto de vista pragmático, a interdição do telemóvel na
escola talvez seja a medida mais fácil. Não será a opção mais eficaz nem a mais
pedagógica.
Talvez seja preciso que entre as matérias trabalhadas na escola
esteja o uso do telemóvel e o recurso aos ecrãs e ao teclado associado. A
dependência do smartphone tende a tornar-se um problema de saúde pública.
Quantas vezes em cada dia, do despertar ao voltar a adormecer, consulta o que
aparece no seu ecrã? Estão estudados efeitos nefastos decorrentes da híper-conetividade,
ou seja, da dependência de estar ligado ao que se passa no mundo que acontece
no telemóvel. A quebra da capacidade de concentração é o efeito mais imediato.
A perturbação pode ser mais complexa, com efeitos psicossociais e fragilidades
depressivas.
Obviamente, na escola, o essencial é a transmissão de saberes e
de modo de estar na vida em sociedade. O canal de distribuição desse saber não
é o problema, o que importa é que funcione. Essencial é que a palavra, a troca
de ideias, o espírito crítico, os saberes, sejam privilegiados.
A proibição do uso do telemóvel esconde a falta a um dever: o de
educar os jovens para a utilização do telemóvel, o de promover o discernimento
e a emancipação de cada pessoa, ensinando-a a libertar-se da poluição mental provocada
pelo estado compulsivo de dependência do telemóvel.
Há que ter em conta que a economia deste tempo da web explora
essas dependências. Trata de tentar “fazer-nos a cabeça”, propagando e
inculcando os interesses de quem funciona como vendedor. Há que ponderar as
escolhas a fazer e os caminhos a percorrer.
O que parece ser um ponto de partida a procurar é o que entende
que mais relevante que proibir é que a escola cumpra com eficácia a promoção da
soberania da pessoa que é cada aluno. Incluindo cultivar o gosto do silêncio
como um tempo próprio.
Uma pergunta a fechar: quantos alertas para nova mensagem terá
recebido enquanto tentou pensar nas questões em volta deste assunto?”
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