O meu avô chamava-se Benjamim Costa. Morreu em 1954 (tinha eu 9 anos) com 62 anos de idade. Era funcionário dos Serviços de Correios, Telégrafos e Telefones do Distrito de Leiria. O seu local de trabalho era o posto semafórico que se situava onde hoje se encontra o “Restaurante Nau dos Corvos”.
O posto semafórico era o polícia sinaleiro dos navios que cruzavam o atlântico junto à nossa costa. Havia lá um grande mastro com várias cordas, onde se subiam bandeiras de cores garridas e desenhos variados, com que se faziam perguntas e se davam respostas aos navios que passavam.
Havia dentro do posto uma máquina em cobre, de morse, que o meu avô dedilhava de forma tal, que os meus olhos se trocavam todos ao ver a rapidez com que o fazia.
Tenho saudades destes objectos que desapareceram e que faziam a memória da importância de Peniche detinha nas actividades comerciais marítimas.
O meu avô era um republicano dos quatro costados. Adepto do Afonso Costa. Em 1926 o meu avô era um homem cheio de convicções e de sangue na guelra. Ele e outros companheiros de jornada da época não se adaptaram às mudanças que se adivinhavam.
Envolveu-se com outros penicheiros desse tempo em diversas actividades de afrontamento às autoridades que passaram a exercer o poder localmente. Assim é que em 1927 o meu avô com um grupo de cidadãos foram detidos por crimes políticos. Porque a cadeia de Peniche era exígua para tanta gente, foram confiados à guarda da guarnição militar que se encontrava na Fortaleza.
Assim se iniciou, com este grupo de penicheiros, aquilo que viria a ser a prisão política de Peniche. A foto abaixo mostra esse grupo posando no interior da Fortaleza, no período da sua detenção em Fevereiro de 1927. O meu avô Benjamim é o segundo a contar da esquerda na fila do meio.
Recordo anos mais tarde o meu avô já doente e impossibilitado de andar, sentado numa cadeira e a tratar dos seus selos. Inúmeros amigos o procuravam em casa a pedir-lhe conselhos ou ajuda para tratar dos mais diversos assuntos, pois ele era uma enciclopédia de saberes.
O meu avô continuou um republicano e um democrata até ao fim da sua vida. As minhas referências ainda hoje se dividem entre a bonomia do meu avô Benjamim e a firmeza do meu pai Horácio.
Entre eles girava como ficura omnipresente a minha avó Guilhermina “Baterremos”, matriarca que dominava marido, filho e netos. A cangalheira cá do sítio. Que era uma figura que a mim me infundia medo.
O meu avô de fortes convicções políticas (dando sempre oportunidade aos outros de manifestarem a sua opinião e procurando evitar conflitos interpessoais, e o meu pai antipolítico por essência, sempre senhor da última palavra, contundente, felina, definitiva.
O meu avô foi o primeiro político que conheci, admirei e admiro. Presto-lhe aqui a minha homenagem.

Finalmente...
Não fora Pablo Picasso e a memória de Guernica já se teria perdida no tempo. No entanto em poucos minutos o centro da cidade ficou completamente destruído, restando 1600 mortos e 900 feridos.
1- No dia 14 de Fevereiro foi-me enviado um postal para me apresentar a 30 de Março às 09:00 horas.


Uma vez na Guiné, as memórias do meu passado penicheiro assaltavam-me amiúde trazendo-me cheiros, sabores e imagens que me tornavam mais fácil a minha estadia naquele país para onde tinha decidido dar a minha participação militante. Um dia estava eu numa esplanada gozando com outros cooperantes o fim de tarde de Bissau, vejo passar um penicheiro daqueles que fazem dos barcos de tráfego internacional uma eterna Diáspora. Demos um daqueles abraços bem puxados e logo ali combinámos para dois meses depois um novo reencontro para quando ele regressasse a Bissau com novo carregamento. Ficou assente ele ir a casa dos meus pais buscar o que eu entretanto escrevesse a pedir e um jantar no Pidjiguitti onde eu residia.
O meu embaraço inicial era o que pedir à minha mãe para enviar. Rápido conclui. Queria peixe seco. Carapaus e “arraia”. Para cozer com batatas com pele e cebola e comer uma parte de “molhinho”, e outra parte com azeite e vinagre. Alguns amigos cooperantes mais chegados, o Ministro Vasco Cabral que tinha estado preso em Peniche com o Mário de Andrade, a mulher a Luisa Cabral lisboeta de Alcântara, a Taurina Zuzarte médica, cooperante como eu e uma amiga fantástica, seriam os meus convidados para aqueles sabores de Peniche.
Apeiam-se, e outros lhe dizem:
Ao entrar em casa dos primos (casa que tinha sido dos seus pais), o meu amigo deparou com as fotografias dos avós que também lhe eram comuns e do seu tia e esposa. Mas o que verdadeiramente o fez ficar chocado e arrepiado até ao mais íntimo de si próprio, foi ver uma bandeira portuguesa e uma guitarra portuguesa que o seu tio tinha transportado consigo quando em 1928 foi para a Argentina. A guitarra só tinha 3 cordas, porque achavam os filhos daquele nosso conterrâneo só em Portugal deveria ser cordoada.
São estas as histórias que hão-de perdurar na minha terra. É este sentimento de ser filho de uma terra e não a esquecer mais que vale a pena transmitir de pais para filhos. Por todos os que são capazes de transmitir amor e memórias.