segunda-feira, julho 28, 2008

O MENINO QUE GOSTAVA DO PAI
Eu descia a Rua Marechal Gomes Freire de Andrade. Atrás de mim ouvia falar um menino e duas mulheres. Pela conversa presumi que uma delas seria mãe do menino.
Este deveria ser muito pequeno pelo som da voz. Olhei e confirmei o que se adivinhava. Mãe jovem de vinte e tal anos. Avó também muito jovem e um menino com 4 anitos, não mais. A certa altura o menino perguntou:
"- Quando o meu pai tinha 15 anos jogava hóquei?"
A resposta da mãe saiu seca e cortante:
“- Jogava. Jogava Hóquei, basquete, futebol, ciclismo. Queria tudo e nunca fez nada em coisa nenhuma.”
E a avó (mãe da mãe) rematou lapidarmente:
“- Tudo queria para nada.”
Ao menino não o tornei a ouvir. Ele que imaginou um pai-herói aos 15 anos. Um deus grego do desporto e da vontade. Um jovem modelo para ele copiar e com alegria copiar. O menino que viu tudo isso, tudo viu ruir à sua frente. Não mais existia um modelo, um desportista, um deus do Olimpo.
Aquela mãe e aquela avó, num momento, com poucas palavras derrubaram na criança sonhos e modelos. Valores e projectos de vida. Tudo por causa de uma manhã adversa e da desatenção nunca assumida pelos direitos mais elementares de se ser criança e gostar.
Falam-me de crianças e jovens marginais. Falem-me de adultos assassinos.
Não fixei aqueles rostos e não tenho pena disso. Prefiro não saber quem são. Acredito que pela Lei Natural ainda restam algumas possibilidades daquele menino ser feliz. Mas lá que tudo lhe está a correr muito mal desde pequenino, lá isso é verdade. São histórias duras e cruas da minha terra que preferia nunca contar.

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