quarta-feira, maio 19, 2010

DAQUI A UNS ANOS…
…quando nem este escriba nem os que o lerem cá estiverem se saberá o que resta de todo este linguajar. Saberão os que nos sucederem que erros de avaliação cometemos. Quantos dos nossos valores se perpetuarão.
Quando o CICARP (1968) foi extinto por obra de magia de uma Direcção da Associação Recreativa Penichense onde pontificava o presidente da Acção Nacional Popular, sr. José Fernandes Bento, subjugada aos interesses do regime do Estado Novo, lançamos uma nova iniciativa do que viria a ser a putativa cooperativa Húmus. Eu, o Carlos Mota de longe, o Carlos Vital, o José Rosa e o Adelino Leitão começamos a elaborar os estatutos dessa associação. Aos fins-de-semana vínhamos a Peniche e juntávamo-nos todos onde fosse possível para discutir com o pessoal de cá sobre cada um dos artigos. Levávamos o material aprovado para Lisboa e às terças-feiras no café Império fazíamos amplas reuniões do pessoal de Peniche que estudava em Lisboa para recolher mais opiniões.
Prontas as bases estatutárias, conseguimos uma reunião com um dos maiores defensores do Cooperativismo Português, o Dr. Roque Laia. Este era um homem baixinho, forte, com mais de 70 anos, com um laço em lugar de gravata. Os olhos muito vivos e que denotavam uma inteligência fora do comum.
Era uma pessoa extremamente atenta para ouvir os outros, leu o que lhe apresentamos com uma enorme atenção. A partir daí foi de uma acutilância tremenda que nos fez encolher nas cadeiras em que nos sentamos.
Disparou: “Artº 5º - Podem ser sócios da Húmus todas as pessoas moralmente idóneas.”
“Não se importam de me dizer quem é que define quem é moralmente idóneo ou não?” A partir daí foi uma autêntica aula de cultura cívica que nos deu.
Saímos do escritório do Dr. Roque Laia com muito menos certezas do que quando lá entramos. Mas a Húmus foi criada e foi um enorme êxito. Passado algum tempo foi extinta tal como tantas outras Cooperativas semelhantes por um Decreto de Marcelo Caetano. Mas enquanto existiu foi uma pedrada no charco. Sem subsídios. Sem apoios que não fossem o nosso esforço, perseverança e capacidade de trabalho.
Estranho que hoje para construir um canil, ou um gatil ou um pulguil, tenho de ser a Câmara a dar o terreno e os materiais de construção e mais isto e aquilo. Continuo a pensar que o CICARP e a HUMUS, foram uma escola de intervenção cívica. Que deixaram marcas para o futuro. Foi do seu seio que surgiram alguns dos autarcas que viriam a transformar Peniche naquilo que é hoje. A 40 anos de distância podemos começar a mexer no passado. Porque sem prestarmos contas pelo que aconteceu, nada de bom nos espera no futuro.

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