quarta-feira, outubro 26, 2011

REVIVALISMOS
De vez em quando surgem nas páginas dos jornais locais, fotografias de grupos de crianças entre os 6 e os 14 anos que frequentaram a dita “Escola Primária” dos idos de 50 e 60 do século passado.
Por vezes surge para além da identificação daqueles meninos ou meninas (nesse tempo os meninos e as meninas andavam em salas separadas e em recreios divididos por muros altos), dizia eu que para além de dizer os seus nomes, aparecem algumas palavras de circunstância. “Que saudades desses tempos”. "Aquilo é que eram Professores”. “Nesse tempo sabia-se educar nas escolas” E outras à volta dessas memórias que ficaram.
A mim, salvo raras e muito pouco honrosas excepções, a grande maioria desses professores e os seus métodos e tipo de atitudes para levar os alunos a aprender, não me deixam recordações gratificantes. Não que eu tenha sido uma vitima das formas pedagógicas de então. Mas fiquei marcado pelo que vi e ouvia na sala ao lado da minha. Com o tempo vim a conhecer mais situações que tornavam a Escola mais parecida com um pesadelo do que com um local onde crianças aprendiam.
E porque é que pais e encarregados de educação que sabiam dessas coisas permitiam que elas acontecessem? Por pura cobardia. Nesse tempo os pobres não tinham direito à revolta. Se se revoltassem eram comunistas, levavam um “enxerto de porrada” nas salas da PIDE e calavam o bico para não serem presos. Ninguém tinha direito a reclamar. Excepto os amigos da UN (União Nacional). Era levar e comer e calar. Se fizessem barulho, as instituições criadas pelo Estado Novo para o efeito haviam de os colocar no lugar.
E então era ver as “MULATAS” a torturarem os seus alunos que não aprendiam. Era pouco importante para elas as condições em que viviam ou se havia comida em casa de manhã antes de irem para a Escola. Tinham de aprender. Se não fosse a bem era a mal. Era o professor da Escola de Pesca que mandava despir os miúdos e que os vergastava no átrio para os obrigar a saber a lição. Eram as palmatoadas numa mão e noutra até elas ficarem feridas. Eram as cabeças contra o quadro. Eram os pontapés e as vergastadas. Era a professora que verbalizava as suas frustrações contra as meninas que se aparentavam menos arranjadas. Ou a outra que maltratava psicologicamente a outra aluna porque o pai era preso político. E as obrigavam a dar vivas à fotografia do Salazar que se mantinha na sala de aula como se fosse o exemplo do grande educador.
E os meninos aprendiam. Pudera. Ou aprendes ou levas. Tenho dificuldades em enaltecer o tempo da Escola Primária que vivi. Recordo que os alunos que tivessem “tracoma” eram obrigados a ir para a Escola do Filtro. E não se perguntava onde a criança morava. Ia para lá e acabava o assunto ali. E se não tivesse tempo para ir a casa almoçar, não almoçava e pronto. E com os olhos doentes era obrigado a ter o mesmo grau de rapidez de aprendizagem que qualquer outro. Segregado e burro era o pior que podia acontecer. E os pais sabiam e calavam e nunca reclamavam. Era os que apanhavam tinha que iam para a Escola com a cabeça envolta num barrete branco para os distinguir dos outros. E os pais sabiam, comiam e calavam. E os filhos desde pequeninos que aprendiam a diferença entre ser uma pessoa de bem e ser um miserável.
Definitivamente não tenho saudades dos meus tempos de Escola Primária.

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