quinta-feira, março 24, 2016


"LETRA ABERTA"

É este o nome de um livro póstumo de HERBERTO HELDER no 1º aniversário da sua morte. Do espólio foram recolhidos estes poemas, que se reconhecem de um dos mais desconhecidos poetas da Língua Portuguesa (a tal que é a nossa Pátria). Provavelmente HH será no futuro tão discutido e estudado como tem sido Pessoa. Neste momento mais que desconhecido é um mistério, também por vontade própria.

Deixo-vos neste período de férias um poema retirado aleatoriamente do seu último livro. Comei-o, porque “a Poesia é para comer”:

 

escrevi umas poucas linhas como estela e como exemplo,

mas faltava algures uma linha de silêncio que as ligasse todas,

e então abri a mão inteira e sobre a mão abri a boca,

e depois a terra estremeceu,

e depois estremeci no meio dela, mudo e cego e surdo e imóvel:

mas soube que não tinha criado os elementos do mundo,

nem nada que ligar a nada com que ligasse,

e o poema ruiu de alto a baixo,

sem base ou centro ou cume,

ou nome ou número,

ou mais ou menos que isso: sem autor confesso,

mas sobretudo sobretudo sem silêncio sobretudo

sem silêncio no meio,

sem o intenso silêncio do milagre:

e então olhei as coisas sem as ver,

ou demais as vendo:

e falei, e falhei (mas não foi por causa disso)

- foi por causa do nada do mundo

foi apenas por nada

Sem comentários: