terça-feira, janeiro 09, 2018


CHUVA (2 POEMAS E UMA HISTÓRIA)

... Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se
-Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E quando haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...

            Fernando Pessoa

 

MISTÉRIO
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

        Florbela Espanca

 

E A HISTÓRIA…

Na segunda metade do século XIX, um irmão do pai da minha avó Guilhermina “Baterremos” tornou-se uma figura pública pelas piores razões. De facto muito jovem ainda (18/19 anos) tornou-se um alcoólatra assumido por um desgosto de amor. A mesma bebedeira com que viria a morrer de cirrose 15 ou 16 anos depois. Sobre ele contam-se inúmeras histórias mas esta vem-me sempre à memória em dias como o de hoje.

Há uns quantos meses        que não chovia em Peniche. A escassez de água estava a ser um drama não só para quem trabalhava no campo mas também para animais e pessoas. Faziam-se preces na Igreja para que chovesse. Faziam-se promessas. O pároco local a certa altura convocou os cristãos para fazerem uma procissão ao santuário dos Remédios suplicando pela chuva. E lá partiram os fiéis da Igreja Matriz (Ajuda) em direcção ao Sr. dos Remédios, cantando e rezando pelo cair da chuva:

Tu, Pai bondoso, que sobre todos fazes brilhar o sol
e fazes cair a chuva,
tem compaixão de todos os que sofrem duramente
pela seca que nos ameaça nestes dias…

…Faz cair do céu sobre a terra árida
a chuva desejada
a fim de que renasçam os frutos
e sejam salvos homens e animais

Chagada a procissão ao Adro do Santuário continuam as ladainhas com o padre cura dirigindo os cristãos do coreto que então se erguia no centro do terrado, Eis senão quando se começam a ouvir vozes lançando impropérios contra uma figura que se dirigia para o coreto. Era o bêbado da terra, o Francisco Leitão que passava vestido com casaco de oleado, botas de borracha até às ancas e sueste que quase lhe tapava por completo a cabeça.

Ao que os crentes reclamavam o tio Francisco só dizia que não com a cabeça. Até que a certa altura começam a cair uns pingos e logo desabou um autêntico dilúvio. Fugiram apar o santuário uns quantos, outros para as casas vizinhas e, às tantas, só ficou o bêbado que finalmente falou:

“- Beatas de pouca fé! Afinal fui eu o único que acreditou que as rezas faziam chover…”

 

 

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