CHUVA (2 POEMAS E UMA HISTÓRIA)
... Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se
-Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E quando haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
E a chuva, quando falta muito, pede-se
-Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E quando haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
Fernando Pessoa
MISTÉRIO
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!
Florbela Espanca
E A
HISTÓRIA…
Na segunda
metade do século XIX, um irmão do pai da minha avó Guilhermina “Baterremos” tornou-se uma figura
pública pelas piores razões. De facto muito jovem ainda (18/19 anos) tornou-se um
alcoólatra assumido por um desgosto de amor. A mesma bebedeira com que viria a
morrer de cirrose 15 ou 16 anos depois. Sobre ele contam-se inúmeras histórias
mas esta vem-me sempre à memória em dias como o de hoje.
Há uns
quantos meses que não chovia em
Peniche. A escassez de água estava a ser um drama não só para quem trabalhava
no campo mas também para animais e pessoas. Faziam-se preces na Igreja para que
chovesse. Faziam-se promessas. O pároco local a certa altura convocou os
cristãos para fazerem uma procissão ao santuário dos Remédios suplicando pela
chuva. E lá partiram os fiéis da Igreja Matriz (Ajuda) em direcção ao Sr. dos
Remédios, cantando e rezando pelo cair da chuva:
Tu, Pai bondoso, que
sobre todos fazes brilhar o sol
e fazes cair a chuva,
tem compaixão de todos os que sofrem duramente
pela seca que nos ameaça nestes dias…
e fazes cair a chuva,
tem compaixão de todos os que sofrem duramente
pela seca que nos ameaça nestes dias…
…Faz cair do céu sobre a terra árida
a chuva desejada
a fim de que renasçam os frutos
e sejam salvos homens e animais
a chuva desejada
a fim de que renasçam os frutos
e sejam salvos homens e animais
Chagada a
procissão ao Adro do Santuário continuam as ladainhas com o padre cura
dirigindo os cristãos do coreto que então se erguia no centro do terrado, Eis
senão quando se começam a ouvir vozes lançando impropérios contra uma figura
que se dirigia para o coreto. Era o bêbado da terra, o Francisco Leitão que
passava vestido com casaco de oleado, botas de borracha até às ancas e sueste
que quase lhe tapava por completo a cabeça.
Ao que os
crentes reclamavam o tio Francisco só dizia que não com a cabeça. Até que a
certa altura começam a cair uns pingos e logo desabou um autêntico dilúvio.
Fugiram apar o santuário uns quantos, outros para as casas vizinhas e, às tantas,
só ficou o bêbado que finalmente falou:
“- Beatas de pouca fé! Afinal fui eu
o único que acreditou que as rezas faziam chover…”
Sem comentários:
Enviar um comentário