segunda-feira, julho 01, 2013

“EM NOME DO PAI”
Nuno Lobo Antunes publica este livro que é como uma pedrada no charco.
Em Dezembro de 2012 a editora Leya transporta-nos a um diálogo surreal de um homem consigo mesmo e com o Criador de todas as coisas.
O Autor deixa-nos desde logo uma

“Advertência
Este não é um Livro sobre Deus, mas sobre o Homem”
Parte da figura mítica e pouco transparente até aos nossos dias de José, carpinteiro, casado com Maria, que Deus por iniciativa sua fecundou e que foi o seu Filho, que não o de José, na Terra para poder transmitir aos Homens o que deles queria.
O autor descreve assim o pensamento de José:

“O meu nome é José, e sou artesão. Do que a terra me dá, em pedra ou madeira, eu moldo e transformo como a arte me dita. Não sou dono de nada, e nada possuo. Tal como as obras que as minhas mãos recriam, vindas do mesmo pó que me mantém de pé, não sendo o autor daquilo que sou de nada me orgulho, de pouco me acuso.
Tudo o que valho está inscrito em mim, ditado por quem fez obra imperfeita e com isso deixou que o erro falasse. Escravo a quem o Senhor deu voz, sou prisioneiro que se move nos limites da inteligência e do saber. Preso às fronteiras do meu mundo, mas livre de nele viver e pensar, sou a gesta do Homem que Deus fez à sua semelhança, escravo também Ele da sua natureza, porque nada ou ninguém escapa ao que é, ou à sua condição.
A minha arte aproxima-me de Deus meu Senhor, artífice de tudo o que existe. Diz a minha família que sou descendente do rei David, e disso muito se orgulha, mas não eu, porque sei que na minha ascendência houve mulheres adúlteras e homens que se casaram com estrangeiras e desobedeceram à Lei.
Se não me podem culpar dos erros de outrem, como poderei colher os louros da grandeza que não é minha? Pouco me interessa se descendi de reis, porque nada me distingue do homem comum a não ser a interrogação constante: Porque me fez Deus assim, e esta vida me ditou?”

Este é o conflito que vive José consigo próprio e com Deus que o embaraça para além de tudo o que é razoável para si. José julga quem deveria julgar. E a figura paternal e laboriosa do carpinteiro, sempre esquecida entre a grandeza do seu não-filho, e a beleza consagrada por todos da mulher que tomou como sua, mas que nunca lhe pertenceu, dizia, perde-se o Homem bom na dureza que lhe coube nesta História que acabou nunca por ser sua.
O livro de Nuno Lobo Antunes é de uma actualidade quase compulsiva.
É um livro doloroso de ler. Que nos interroga e nos permite ir longe na leitura crítica das nossas atitudes.

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