segunda-feira, outubro 07, 2013

O JOÃO PEDRO

No sábado passado fui ao mercado comprar tremoços e pevides. Como sempre dirigi-me ao lugar de senhora com quem trabalhei na escola da Atouguia da Baleia. Cumprimentei-a estava ela a conversar com outra senhora que olhei vagamente. Quando já estava a ser atendido, a outra pessoa falou comigo indagando-me sobre se a não reconhecia. Sinceramente tive alguma dificuldade em reconhecê-la. Até que ela me disse ser a mãe do João Pedro. E a minha memória soltou-se em catadupas.
O João Pedro era um aluno da escola completamente desmotivado em todas as disciplinas, excepto em Ciências da Natureza em que era um aluno brilhante, atingindo em alguns moimentos a genialidade. Foi um caso que me motivou e à professora de apoio pois nunca tínhamos visto uma situação como aquela. De leitura em leitura e de psicólogo em psicólogo concluímos que o caso do João Pedro era típico de um aluno sobredotado. Consultámos o ME e outras entidades até que conseguimos descobrir uma escola na Grande Lisboa que se dedicava a este tipo de alunos e que se especializara na abordagem de situações daquele tipo. Organizámos um seminário na Atouguia da Baleia com uma especialista que nos conduziu pelo labirinto deste tipo de comportamentos e de como levar estas crianças a sossegarem a elevada capacidade que possuíam para um determinada área e procurando valorizar mais aprendizagens para eles menos significantes. Enfim o João Pedro tornou-se um desafio para a Escola e para os seus professores.
Mas a inclusão de um aluno com estas características numa escola regular, não se faz de ânimo leve e só consubstanciada em boas vontades. O João Pedro acabou por ser deslocado para um Curso de Formação Profissional, ao mesmo tempo que lhe foi criada uma actividade laboral com o apoio dos SMAS de Peniche. Esporadicamente vou encontrando o João Pedro em trabalhos dos SMAS, cumprimentamo-nos, ele parece-me bem e seguimos as nossas vidas.
Até que neste sábado a mãe do João Pedro me chamou a atenção para a sua actividade. Estava a tomar conta de uma loja de mel aberta no mercado. O João Pedro, deitando mãos à obra e cultivando o seu amor pelos animais tornou-se apicultor e tinha uma pequena empresa de fabrico de mel. A mãe apoiava-o tomando conta da loja quando ele não podia.
O amor às Ciências da Natureza, aos animais e ao planeta, levou-o a constituir um bem maior, aliando as suas capacidades a uma pequena fonte de rendimento pessoal.

Cerca de 20 anos depois da descoberta na Escola da Atouguia de uma situação invulgar com um dos seus alunos, e de muito investimento da Escola para a sua abordagem, eu via com os meus olhos que tudo fora feito e tivera um retorno fabuloso. Aquele aluno poderia ter-se perdido se não nos tivéssemos preocupado com ele. Afinal fora uma aposta ganha que hoje me comoveu até às lágrimas. Mas isto é no tempo em que a Educação era um valor. Em que as escolas tinham autonomia para se dedicarem aos seus alunos. Em que era tão importante formar homens como criar pequenos sábios. Tudo era possível naquele tempo na minha escola.
O que este crato e este passos e este portas fizeram foi destruir uma escola de amor, para criarem uma escola de machetes e de oliveiras costas.
Parabéns João Pedro.

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