quinta-feira, outubro 24, 2019


LEPRA

É mesmo sobre a doença de Hansen que vos quero falar. Ser leproso era um anátema que acompanhava quem era leproso desde tempos bíblicos. Os leprosos eram maltratados, hostilizados, abandonados à sua sorte e normalmente colocados em locais naturais de difícil acesso para não poderem de lá sair. Algumas pessoas mais piedosas atiravam para lá comida e assim eles iam sobrevivendo até que por morte natural desaparecessem. Era uma doença tida por contagiosa pelo que eram banidos das suas comunidades quem tinha a desdita de sofrer desse mal.

Vem isto a propósito do encerramento da única leprosaria existente em Portugal, sita na Tocha, concelho de Figueira da Foz. Era o eufemisticamente designado oficialmente pelos poderes do Estado Novo, Hospital Rovisco Pais, mas que toda a gente conhecia pela leprosaria da Tocha.

Eu tive a felicidade de poder conhecer esse Hospital em 1957 ou 1958 quando lá fui visitar uma prima minha que pertencia à congregação de São Vicente Paulo a quem desde sempre coube acompanhar os doentes que sofriam de lepra e que ali viviam segregados do exterior. Não pensem no entanto que aquilo era um modelo convencional de Hospital como hoje os conhecemos. Era uma grande aldeia, onde existiam lojas de pequeno comércio, agricultura, locais de lazer, prisão e serviços de enfermagem para os casos em que a doença carecia de tratamentos mais cuidados. O que era proibido? Homens viverem vidas conjugais com mulheres. E como isso vem da natureza humana, quando acontecia alguma das mulheres engravidar, mal nascia a criança era retirada à mãe, entrava em quarentena até se verificar se sofria ou não da doença e se não sofria era entregue a familiares da criança que dela quisessem cuidar. O progenitor era preso durante algum tempo, após o que regressava aos seus trabalhos anteriores. Era ainda motivo para punição a saída do espaço da leprosaria para o exterior.

Muitos anos depois em 1975 tive também a felicidade de conhecer uma outra leprosaria, na república da Guiné-Bissau, que visitei com o embaixador de Portugal António Pinto da França, e com um cooperante como eu o José Manuel dos Santos. Essa leprosaria era cuidada por uma congregação italiana, e também por freiras de S. Vicente de Paulo. Os moldes de funcionamento eram os mesmos da Tocha embora menos sofisticados. Na guiné o comércio era praticamente inexistente e viviam sobretudo do que cultivavam. Vendiam para o exterior sobretudo ananases pois tinham lá uma grande produção.

O que mais me surpreendeu nas 2 leprosarias que conheci? A grande afabilidade quer de utentes, quer de quem deles cuidava. E duas imagens. Na Tocha uma jovem muito linda que agarrada a um piano tocava, tocava como se o mundo ali começasse e terminasse. Na Guiné-Bissau o representante de Portugal cumprimentando mulheres e homens, alguns deles já sem dedos fraternalmente. E quando alguns se tentavam levantar para lhe prestar saudação ele ajudava-os a sentarem-se de novo.

Agora o Hospital da Tocha vai encerrar. Os que sofrem da doença de Hansen são tratados em todo o país e já se comprovou que não existe nenhum contágio directo, sendo encarados como um qualquer outro doente.

Sinto-me feliz por ter tido oportunidade de acompanhar esta evolução. Que mais uma vez prova que a Humanidade existe e é capaz do melhor. As redes sociais como forma de ódio não são o futuro.

 

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