segunda-feira, setembro 10, 2007

João Afra
A notícia surgiu inesperada. Tinha morrido o João Afra. Para a minha geração era assim que ele era conhecido. Para outros mais novos poderia ser o Escultor João Afra ou o Mestre João Afra. Natural de Peniche depois do casamento radicou-se em Lisboa, cursou a Faculdade de Belas Artes e ali se tornou Professor. Com obra espalhada pelo País tornou-se um nome conhecido das Artes no domínio da Escultura.
Aqui em Peniche e para muitos de nós continuou sempre a ser o João Afra. Esta relação intimista deu-lhe uma dimensão diferente da que muito provavelmente mereceria.
Dele recordo de forma mais simplista um facto e duas histórias.
Um facto, o de ser proprietário de uma das casas mais célebres de Peniche: A “Casa Encarnada”. Quando eu era menino a “Casa Encarnada” preencheu os meus sonhos. Durante muitos anos ergueu-se solitária na costa sul de Peniche e, nos nossos passeios a pé ou nas idas à Berlenga sempre foi uma referência. As histórias que aquela “Casa” encerra são tão fantásticas, quanto ela própria.
Eu era aluno do 3º Ano do Curso de Formação de Serralheiros da Escola Comercial e Industrial de Peniche. Como professor de Tecnologia Mecânica tinha, uma professora. A Engª Maria Beatriz. Isto não devia ser assim. Estávamos em 1960. Noutra época, noutro século. Uma mulher não devia ser Engenheira. E muito menos engenheira electrotécnica. Mas a Maria Beatriz era-o. Passados poucos meses de ela estar cá rebenta outra novidade na pacóvia Peniche desse tempo. A Engª Maria Beatriz ia casar com o João Afra. A confusão que isso deu nas aulas de Tecnologia Mecânica, com todos nós a massacrarmos o juízo à professora querendo ser convidados.
Passados uns anos, poucos, estava eu a lanchar na “Charcutaria Suíça” de boa memória e entra o João Afra com 2 filhos do casamento com a minha ex-professora. Um menino e uma menina tanto quanto me lembro. O miúdo teria para aí uns 6/7 anos. Alguém vai saber o que é que eles queriam e o rapaz, pede um sumo. Ao que o pai lhe diz que teria de comer um iogurte, por qualquer razão que agora não recordo. O puto refilão insiste no sumo. O pai no iogurte. Sumo para cá, iogurte para lá, até que o rapaz se volta para o Afra e lhe diz: “-Olha vai à merda!”. O João olha para nós e olha para o empregado. Olha para o filho com um ar de quem se interroga sobre o que há-de fazer ao filho, e em surdina diz-lhe: “-Olha! Vai tu!”
Contadas as minhas referências sobre o João Afra, nesta hora de adeus ao conterrâneo que já escapou à lei do esquecimento, resta-me endereçar à família e muito particularmente à minha professora, as minhas sentidas condolências.Monumento a Soeiro Pereira Gomes – Alhandra, em parceria com João Duarte. Foto de Noémia Melo Costa Dias.Monumento ao 25 de Abril em Peniche, na Avenida com o mesmo nome.

1 comentário:

Maria Beatriz disse...

José Maria!

Há três dias descobri o seu blogue e fiquei muito surpreendida com o seu contributo à memória de João Afra.
Estou muito agradecida pelas suas palavras. As fotos estão muito boas.
Metade de mim foi com o João, a outra metade é dos meus alunos.
Eu lembro-me muito bem da primeira personagem do teatro de Gil Vicente...
Quando as obras da Casa Encarnada acabarem, terei muito gosto em recebe-lo com muito afecto.

Um grande Abraço,

Maria Beatriz