segunda-feira, novembro 12, 2007

GUILHERMINA “BATERREMOS”
Perfazem hoje 46 anos que morreu a minha avó. Figura dominante da minha família paterna. Sempre me habituei a ver o meu avô como uma pessoa bonacheirona. Recordo-o a ouvir na rádio as histórias do “Zequinha e da Lélé” com o Vasco Santana e a Elvira Velez, rindo a bandeiras despregadas, agarrado à barriga, todo ele estremecendo sempre que soltava uma gargalhada do fundo de si mesmo.
A minha avó não. Era uma figura sisuda. Pequenina. Com as pernas muito arqueadas. Sempre a trabalhar e a ganhar dinheiro. Quando mais tarde na Escola ouvi falar do matriarcado, era a minha avó que eu imaginava. O meu pai venerava-a para além de tudo o que era razoável e os dois estabeleceram desde sempre uma relação cúmplice de que a minha mãe foi a grande vítima.
O meu irmão com 3 anos de idade passou para a tutela da minha avó, tendo sido criado por ela até à sua morte. Eu era escorraçado lá de casa à vassourada, como indesejável, até o meu avô morrer. A partir daí passei a poder ter entrada em casa dela e quando o meu irmão foi estudar para Tomar, eu era quem ia dormir a casa dela para lhe fazer companhia. Até que também eu próprio fui estudar para Lisboa.
Um mês e 15 dias depois de ter saído de Peniche, numa manhã de Domingo, recebeu-se um telefonema na “Porcalhota” (antecessora da Amadora) a dizer que a minha avó tinha morrido. Eu tinha lá ido visitar os meus tios e a partir daí passei a associar a essa deslocação a morte dela.
A minha avó Guilhermina comeu castanhas no dia de S. Martinho e no dia seguinte um ataque cardíaco levou-a definitivamente.
Poucas pessoas se lembram da minha avó. Mas as que se lembram, recordam-na a forrar caixões na R. Latino Coelho ou a fazer renda de bilros à janela de casa na R. Joaquim António de Aguiar. A minha avó foi a “mulher dos caixões” durante muitos anos no século passado. Ela enterrou umas centenas largas de pessoas da terra e com isso supria as dificuldades dos fracos rendimentos familiares quando o meu avô foi preso após o 28 de Maio.Nunca gostei muito da minha avó, mas curiosamente recuperei a grande maioria das coisas que se encontravam em casa dela e decorei a minha casa com elas. Posso não gostar dela, mas ainda hoje a sinto como uma presença dominante e dominadora. E afinal vivo hoje na casa que era dela. Estou hoje a beneficiar de cada vassourada que levei quando era miúdo. As voltas que o mundo dá…

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