sexta-feira, abril 10, 2009

CONTARAM-ME HOJE
…uma história exemplar. Um amigo meu de há muitos anos conversava comigo sobre o espectro de “aculturação” que parece varrer todos os recantos da pátria portuguesa. Peniche que não é imune a este tipo de fenómenos, é um terreno fértil para o seu desenvolvimento.
Falámos dos grupos de apoio aos familiares dos presos políticos. De como uma vez recebeu no quartel um apelo para trazer para Peniche uma jornalista que tinha o seu marido preso na Fortaleza/prisão. E dela lhe ter dito para não a deixar à porta da prisão pois podia ter problemas. E da raiva com que disse não, e deixou-a mesmo junto à porta de entrada. Da sua iniciação posterior nas “coisas” da oposição democrática pela mão do Luís Leonardo. E de ter sido da boca dele que ouviu pela 1ª vez a palavra “Democrata”. E da confusão que aquilo lhe fez, pois era uma palavra completamente nova para ele.
Pois foi este meu que me contou uma história exemplar que merece ser aqui reproduzida. Um dia, nem ele sabe como, foi-lhe parar às mãos uma fotografia do grupo de crianças que com ele fizeram a 2ª classe.
Nesse grupo, os meninos que têm sapatos ficam na fila da frente e os que andam descalços nas filas de trás. O meu amigo mandou ampliar a foto e levou-a para um estabelecimento que tinha e onde ía tomar café, a filha de um colega de escola dele desses tempos.
Um certo dia mostrou-lhe a foto. E pediu-lhe para identificar o pai. Ela não foi capaz. Ele então apontou uma criança numa das filas de trás, com uma boina e de camisa de riscado tal como se usavam na época. A jovem ficou incrédula. Pediu então a foto ao meu amigo para a levar à mãe para que ela lhe confirmasse a negação de tal figura como o pai dela.
A mãe olhou, reconheceu o progenitor da filha e disse-lhe que era verdade. A jovem agarrou na foto, tirou-a da moldura, rasgou-a em mil pedaços que deitou no caixote de lixo.
Acabada a fora, estava afastada a ideia de um pai que não reconheceu no miserabilismo da figura.
O meu amigo ficou sem a foto. O pai da jovem pode continuar a exibir anéis e automóveis. A jovem pode continuar a caminhar na rua de nariz todo empinado. Peniche ficou mais pobre porque não se reconheceu no seu desenvolvimento. Somos do tamanho que merecemos.

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