HÁ 35 ANOS ATRÁS
…eu a esta hora estava acabado de chegar a casa vindo de Lisboa aonde tinha ido com o meu pai levar a minha mãe ao Hospital da Cruz Vermelha, para ela ser operado à única vista que lhe restava e que estava já completamente tapada por uma catarata que ao longo dos anos se tinha vindo a desenvolver.
No dia 25 seria finalmente operada e correndo tudo bem ficaria a ver com alguma qualidade, visto que tinha perdido a outra vista aos 9 anos de idade.
O meu irmão chegaria a Peniche umas horas mais tarde depois de ter alta do Hospital Militar Principal, após ter sido evacuado da Guiné-Bissau. O resto do dia iria ele passar dividindo-se entre a leitura de livros de cowboys e um joguinho de sintético no Clube.
Eu mais prosaicamente iria dividir-me entre as aulas na Escola Industrial e o Colégio onde me encontrava a substituir a Midú, aulas para preparar e pontos para corrigir.
Depois de beber um copo à noite no “Ponte Velha” ou no seu concorrente mais ajanotado.
Iria adormecer que nem um santo e levantar-me no dia a seguir com a minha Tia Idália a acordar-me, para me informar a mim e ao meu irmão que a rádio dizia que a Armada se tinha revoltado.
Há 35 anos atrás os meus amigos ocupavam os seus tempos livres de forma difusa entre o trabalho, o futebol e alguma televisão. Não havia subsídio de desemprego, nem ordenado mínimo. Não havia Serviço Nacional de Saúde e o Hospital e um ou outro médico davam as respostas possíveis com amostrar grátis de medicamentos.
Nem todos os seus filhos tinham sapatos e a Escola Industrial era frequentada por cerca de trezentos alunos. O GDP continuava a ser alternativa para praticar algum desporto e os Bailes da Associação ainda era uma das formas de engatar umas miúdas. Não havia senão 2 canais de TV, telefones só os fixos e a Internet não saíra ainda dos livros de ficção científica. O Marcelo Caetano era 1º Ministro, Américo Thomaz Presidente da República e quem não gostava de alguém, sempre tina a possibilidade de dar uma dica a um informador da DGS.
A 24 de Abril de 1974 éramos um povo pacato sem ciganos, nem drogados para nos chatearem. Os criminosos eram castigados e os ricos dividiam o país entre si. Os proprietários, comerciantes e armadores davam esmolas aos pobrezinhos e vivíamos todos em paz.
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