segunda-feira, fevereiro 21, 2011

O PIOR CEGO É O QUE NÃO QUER VER
Fiz tropa no Batalhão de Reconhecimento das Transmissões na Trafaria. Diariamente para ir para lá e de lá regressar a Lisboa, apanhava em Belém o barco para a Trafaria. Sempre que vinha em serviço a Lanceiros 2 ou à Ajuda fazia a travessia. Isto entre 1967 e 1970. No quartel e no barco sempre ouvi falar dos rapazes e raparigas da Casa Pia que se prostituam na zona de Belém. Quando rebentou o “célebre” escândalo, fiquei perplexo. Parecia que estavam a falar de uma novidade quando toda a gente naquela zona estava cansada de ver e ouvir falar daquele espectáculo degradante. Tanto anos depois parecia a trilogia dos macacos: não, vês, não falas, não ouves!
Na passada semana o “Diário de Notícias” publicou excertos de um relatório sobre os Centros Educativos no âmbito do Ministério da Justiça, antigos Centros Reeducativos como o que existiu em S. Bernardino. Por razões profissionais fui obrigado a contactar com aquela realidade. Eu era Presidente do Concelho Directivo da Escola EB-2.3 de Atouguia da Baleia e éramos nós que colocávamos os professores que em regime de Extensão Educativa ali leccionavam o 2º Ciclo. Também éramos nós que mediante um protocolo assinado com o Centro de S. Bernardino, recebíamos no 3º Ciclo os alunos de lá que mais progressos educativos faziam.
Os professores que lá iam trabalhar falavam-me do que era a vivência daqueles jovens no seu dia a dia e em que consistiam as praxes a que eram submetidos nos primeiros dias da sua chegada lá. As atitudes de submissão a que eram sujeitos os mais novos e os mais frágeis chegavam a ser transportados para a sala de aula e a não ser que o professor fosse mais rigoroso, tinha de ouvir e calar o que via e ouvia se não queria ver a sua viatura vitima de maus tratos.
Também à escola chegavam reflexos dos seus comportamentos que só não atingiam limites perigosos porque o seu enquadramento era seguido muito atentamente por todos nós que ali trabalhávamos.
Que me recorde a não ser quando era o momento de distribuição das avaliações não aparecia ninguém do “Colégio” de S. Bernardino para se interessar pelos alunos de lá que estudavam na Atouguia. Ou quando eram por nós chamados por alguma rezão especial. Os alunos de S. Bernardino eram depositados na Atouguia e o assunto morria ali. O que me levava a concluir que os alunos ditos “problemáticos” de S. Bernardino, ou tinham qualidades para superar os seus problemas ou então afundavam-se para saírem de lá com a profissionalização feita em “marginalidade”. Muito me espanta agora que tenham descoberto os problemas daquele tipo de estabelecimentos.

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