segunda-feira, junho 27, 2011

INTERVENÇÃO DA PRESIDENTE DA MESA DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, ASSUNÇÃO ESTEVES, APÓS A SUA ELEIÇÃO
Deixo aqui o meu contributo para que todos os que gostam de ler e pensar. Espero que as palavras que se seguem sejam tão confortantes para vós todos como foram para mim.
 Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Presidir ao Parlamento constitui a maior honra da minha vida! Porque o Parlamento é liberdade que se fez instituição, consequência da razão moderna, do pensamento das luzes, da coragem dos justos. Porque o Parlamento se constrói sobre o discurso dos direitos e da sua força legitimadora, evidenciado pelo voto universal, livre e igual. E porque foram os parlamentos que inscreveram a dignidade humana no sentido das instituições e ligaram o exercício do poder ao progresso da civilização.
Nós, os Deputados, somos portadores de um mandato que se gera na igualdade e na liberdade, damos corpo a um poder que se forma na moral universal que dita os critérios da justiça.
Que orgulho, Srs. Deputados, e que responsabilidade que é estarmos aqui!
Filhos da razão e da história da razão, somos nós o cais da esperança. Da esperança que, num domingo de Junho, saiu de casa para nos escolher, da esperança que não saiu, que é a dos cidadãos que, lá bem no fundo, esperam para se reconciliar com a política, e de uma outra esperança, a esperança silenciosa e triste dos mais frágeis e dependentes. Muitos não puderam votar, muitos vivem em espaços existenciais fechados, ou quase fechados, longe de uma opinião pública crítica e vigilante e, por isso mesmo, vendo perigar, tantas vezes, os direitos humanos.
A esperança que nos convoca, Srs. Deputados, 230 eleitos! Que orgulho e que responsabilidade é a nossa: ou decidimos melhorar o mundo ou teremos de perguntar como se dorme o nosso sono.
Fomos chamados à função sagrada da representação política que nos dá o poder da legislação e do escrutínio. Fomos chamados por um povo que tem na própria história a marca da universalidade e que anda à procura de repercutir, no futuro, a sua Odisseia. Não estamos sós, aqui. São tantos os projectos, as expectativas, as inquietações que connosco se sentam e que exigem de nós que cultivemos, com os domínios da vida das pessoas concretas, formas de comunicação contínua, muito para além do tempo das eleições e do espaço dos partidos.
Verdadeiramente, o que se nos exige é a reinvenção da democracia sobre o eterno a priori da humanidade do homem.
Somos hoje um Parlamento no horizonte da Europa e do mundo, às portas de uma época universal já antecipada em diferentes modos pelo pensamento de Tocqueville, Kant, Goethe, Humboldt, Marx ou Simmel.
O cosmopolitismo e a globalização empurram-nos para a moralidade de uma consciência de mundo e, ao mesmo tempo, revolvem os velhos paradigmas da política. Formas alargadas de união de Estados — como a União Europeia — emergem, com o esbatimento das fronteiras e da agonia da diferença entre cidadão e estrangeiro, com o trabalho político em rede, os poderes soberanos a esbaterem-se, para serem participantes no projecto moral de uma acção partilhada. Mesmo contra «os velhos do Restelo», o mundo caminha para a frente e a política é cada vez mais global e antropocêntrica. O sentido da função parlamentar ganha novas dimensões neste ambiente político e social.
Na União Europeia, devemos ser co-autores de corpo inteiro e não membros passivos, devemos lutar pela coerência da União, para que tenha um centro, pois só com um centro pode ser actor na ordem mundial, e para que se descentralize, pois só descentralizando pode ser democracia. Devemos, enfim, lutar para que a Europa se tome a sério como pátria de direitos em que, afinal, se reconhecem todas as pátrias.
O Tratado de Lisboa abriu-nos, a nós, Parlamento, a um protagonismo de larga escala que não podemos desperdiçar. Para mais, cabe em primeira mão aos parlamentos interpretar e solucionar os problemas de legitimação do espaço alargado da democracia moderna e europeia. Aí, onde o pluralismo cultural e social se intensifica, o consenso não é possível apenas a partir das instituições e da representação. A insuficiência do sufrágio dita que os cidadãos se associem às instituições, chama pelo seu estatuto de participantes no processo político e chama por novos actores — empresas, associações, ONG.
A ideia de política virtuosa, inaugurada na Grécia Antiga, candidata-se também às soluções da nova modernidade. Chegou o tempo da perda do monopólio político do Estado. O Parlamento, que é, como disse Mirabeau, o mapa do povo, deverá legislar, fiscalizar, representar, mas também, pela mão de cada um dos seus Deputados, fazer a sociedade, ela mesma, gerar o político.
Vivemos um tempo de efemeridade, em que, à partida, nada está garantido, para lembrar recentes palavras do meu amigo Eduardo Lourenço. Mas é um tempo fascinante, que nos faz reconhecer numa humanidade transversal, que chama pela virtude da política, que alarga a nossa cidade para o mundo, um tempo de uma proximidade dinâmica, porque hoje tudo interage e se aproxima. Porventura, nunca o sentido do outro esteve tão presente nas formas de vida dos indivíduos e dos grupos.
O mundo vive uma revolução tecnológica, demográfica, política, que traz consigo, verdadeiramente, os genes de uma revolução moral. Os problemas globais, paradoxo das coisas, mostram que o interesse egoísta de cada um apenas se resolve na partilha, no exercício da vontade moral de uma justiça para todos.
Que orgulho o nosso, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, de sermos protagonistas activos deste tempo!
Dedico este meu momento de alegria a todas as mulheres. Às mulheres políticas que trazem para o espaço público o valor da entrega e a matriz do amor, mas, sobretudo, às mulheres anónimas e oprimidas. Farei de cada dia um esforço para a redenção histórica da sua circunstância.
A função em que sou investida é, por natureza, não partidária e assumi-la-ei em cada acto como tal. Mas quero agradecer ao PSD, em cujas fileiras percorri os caminhos da política e onde tive espaço para ligar a minha lealdade à minha liberdade, a honra de me haver indicado.
Muito obrigada.


Dou um abraço a todos os Deputados, no prazer de em muitos reencontrar um abraço especial dos meus amigos de todas as bancadas.
Amanhã vamos ao trabalho!

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