terça-feira, junho 28, 2011

A LITERATURA PORTUGUESA E O ENSINO DO PORTUGUÊS
Em 1961 eu fui estudar para Lisboa. Não havendo em Peniche mais que os Cursos industriais e comerciais, quem quisesse prosseguir estudos teria de fazer as Secções Preparatórias aos Institutos Industriais ou Comerciais, posteriormente ingressaria nesses estabelecimentos e ou ficaria Agente Técnico ou após 2 anos de frequência transitaria por prova de admissão ao Instituto Superior Técnico ou ao Instituto Superior de Económicas e Financeiras. Quem fizesse este percurso consumiria mais 2 anos que aqueles que tinham a sorte de poder frequentar os Cursos Liceais. Essa era uma das diferenças substantivas entre os que tinham a sorte de nascer numa terra com Liceu ou não, ou então os que nasciam em berço protegido e os que eram filhos da “pouca sorte”.
Bom. Mas eu fui então para a Escola Industrial Machado de Castro (hoje já desaparecida) fazer as tais Secções. Nessa Escola fui encontrar um escol de professores de que hoje guardo uma grata recordação. Quase todos professores de excelência. Alguns deles vieram a notabilizar-se mais tarde no Ensino Superior. De entre todos eles o que mais me viria a marcar seria o meu professor de Português, o Dr. Carvalho de Lima.
O que ele me ensinou. Descobriu-me Antero e Eça. Apresentou-me Pessoa. Ensinou-me que escrever é um trabalho de escultura. Lia Poesia nas aulas com uma paixão só possível para quem faz da Língua materna o seu berço e a sua Pátria. Cada aula dele era um compêndio. Ensinou-me a resolver em Matemática a resolver uma equação do 1º grau a uma incógnita, dividindo as orações de uma proposta de exercício. Foi onde aprendi que não é possível ser aluno de Matemática sem compreender o Português. A partir das aulas dele aprendi Geografia para atravessar os mares nas naus de Vasco da Gama e de Pedro Álvares Cabral. A História Pátria e Universal eram suportes das suas aulas. O Dr. Carvalho de Lima levou-me pela mão ao Teatro e a ler Ensaios com o mesmo interesse com que lia a “Bola”.
Aprendi então que uma aula de Português é uma experiência de vida.

Vem tudo isto a propósito de uma “caixa” que li na Revista “Única” sobre uma afirmação de Nuno Júdice em que se lê: “A Literatura desapareceu do ensino do Português”. Eu que passei 54 anos da minha vida nas escolas, assisti a este desaparecimento. Assisti à degradação do empenhamento pela língua portuguesa. Vi professores de português irem para as aulas como que vai para um velório. Vi Camões ser considerado reaccionário. Vi aulas de Português em que não se lia um poema. Em que não se encenava uma peça de teatro. Vi testes de Português de resposta múltipla. Vi terminarem as discussões intermináveis sobre os valores da análise e da crítica.
Assisti a “cenas” em que os professores de Português se recusavam a discutir o aprofundamento de um texto porque era demasiado técnico ou envolvia áreas disciplinares que não eram as suas.
Já não consigo lamentar. Sou uma excrescência do passado. Passámos por cima de valores. Neste momento toda a gente anda entusiasmada porque o Ministro da Educação é um Matemático e com saberes sobre o que devemos fazer para melhorar as nossas capacidades. Recordo o pensamento de Descartes: “Penso logo existo”, a que se seguiu o mais brilhante: “Falo logo penso”.

Sem comentários: