quinta-feira, maio 31, 2012

MEU QUERIDO PADRINHO:

MEU AMIGO:
Sabes que não fui ao teu funeral. Propositadamente. Não suportaria a ideia de te acompanhar com milhares de pessoas, numa celebração litúrgica que tu não merecias. Afinal, aqueles e aquelas que em tua vida já não te suportavam, que abandonavam a igreja assim que se iniciava a liturgia da palavra, porque tu estavas velho e chato e monocórdico e repetitivo e maçador e nem te lembravas de que as pessoas tinham almoço ou jantar para fazer, esses e essas estavam todos lá. Ou os que para nem se darem a essa maçada iam assistir à eucaristia na Aoyguia da Baleia só por já não suportarem sequer a tua presença a incomodá-los com o que dizias. Esses também lá estavam
Não estavam muitos dos presos que visitaste na prisão. Mas estava a Carminho porque está em todas. Não estavam os toxicodependentes que metam nojo e causavam repulsa a quem os via a quem apoiaste e afagavas quando a vida deles já estava por um fio. Não estavam os bêbados que sempre te mereceram uma palavra especial de carinho. Nem estavam os mais pobres de entre os pobres a quem deste abrigo e pão para não dormirem debaixo de uma lancha ou passarem fome.
Não tenho nada a ver com nenhuma das manifestações públicas com te (se) têm promovido. Para mim ainda existes com vida, a pedir-me para passar para o outro lado para poderes ouvir-me, a discordar de mim e a contares as centenas de histórias que te ouvi.
Dizem que agora te vão construir um monumento. Mas o teu monumento já está construído. É todo o património que nos legaste, mesmo aquele que por seres teimoso e apostares em quem acreditavas até ao fim, permitiste que fosse destruído por quem nunca te mereceu.
Recordo uma caminhada a pé que fiz contigo até à Serra d’ El-Rei e uma outra até Fátima. Porque te amava. Da tua vida fica um rasto que nenhuma pedra pode perpectuar. Gravarem-te e fixarem-te em pedra é encerrarem-te definitivamente. É a melhor forma de se verem livres de ti já que te encerram para todo o sempre.
Aos católicos, aos cristãos, aos que têm fé, eu pediria que em vez de monumentos de pedra que serão esquecidos ao longo dos tempos, te rezem. Te rezem a ti. Cada oração que te dirigirem é um veículo de ligação ao teu espírito significando com isso que ouviram o teu testemunho e que pretendem reproduzi-lo com a mesma abnegação, carinho e amor com que tu o fizeste. Eu não sei rezar e não quero rezar. Mas converso muita vez contigo, sobretudo das coisas que te faziam sorrir. Nunca mais me esqueci que fazias anos realmente na quinta-feira santa e nesse dia vou sempre cumprimentar-te.
Meu querido padrinho:
Conta com este teu amigo, até ao dia em que este corpo cesse a sua actividade e de mim só restem as memórias que vou registando.

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