quinta-feira, maio 03, 2018


O QUE É A MORAL?

No inicío da década de 70 do século passado foi extinto em Peniche pela Direcção de então da Associação Recreativa Penichense, o Círculo de Iniciação Cinematográfica da Associação, mais conhecido como CICARP. A referida Direcção formada por militantes e simpatizantes da Acção Nacional Popular, considerou (e bem) que o cineclube mais não era que um pretexto para espalhar ideias e pensamentos de oposição ao regime do Estado Novo de Salazar/Caetano.

Sem espaço para difundirmos uma acção cultural dinâmica e progressista no tempo de então iniciou-se um conjunto de encontros no café Império em Lisboa, onde estudavam a maioria dos jovens de Peniche que impulsionaram o CICARP, para tentar encontrar um meio nosso e que não dependesse de vontades qua não a nossa. É então que é lançada a ideia de uma Cooperativa Livreira que ao mesmo tempo que pudesse dar apoios económicos aos seus associados, fosse um meio difusor de novos movimentos que se desenvolviam por toda a Europa, África e América. Sem esquecer o Vietnam, sempre presente nos pensamentos das forças progressistas.

Em tempo oportuno o Carlos Vital iniciou a elaboração de uns estatutos para a Cooperativa nos moldes da Livrelco que para nós todos, estudantes universitários era um modelo a perseguir. Para nós o Artº 2º dos estatutos elaborados era um ponto de honra: “dar acesso aos sócios dos artigos de consumo para as suas necessidades”. Aqui cabia tudo e não queríamos abdicar daquele valor.

Foi então que alguém se lembrou de um advogado de esquerda, à altura Presidente da Associação de inquilinos Lisbonenses, que era um especialista nesta área dos estatutos e autor de um livro muito consultado sobre reuniões de Assembleias Gerais. Tanto quanto me lembro fomos ao escritório dele eu próprio, a Adelaide e o Carlos Vital e tanto quanto me recordo o Adelino leitão. Fomos recebidos por um “velhinho” profundamente simpático e de laço às pintinhas. Explicámos-lhe ao que íamos e demos para as suas mãos os nossos tão exaustivamente elaborados estatutos. Ele leu, andou para a frente e para trás algumas vezes enquanto olhava para nós e às tantas, voltou à página inicial e não mais passava à frente enquanto sublinhava o que não sabíamos na altura.

Até que pousou as páginas que tínhamos elaborado e diz-nos com aquele ar que só pessoas líderes e plenas de autoridade conseguem:

“- Tudo isto estaria muito bem, embora necessite de algumas correcções, se não fora este artigo em que os senhores dizem que só pode ser sócio da cooperativa quem for moralmente idóneo. O que é isto da MORAL? Atirou-nos ele. Estão a meia hora do aeroporto. A 3 horas de países em que um homem pode casar com quantas mulheres quiser. Outras tantas horas de países em que homens podem viver com homens e mulheres com mulheres. De países em que um rapaz para atingir a maioridade tem de roubar sem ser apanhado. Qual de vocês estabelece quem é moralmente idónio e o que não pode fazer para segundo a vossa perspectivas não deixar de o ser?Assumam-se sobre o que querem ser como pessoas e depois voltem cá”.

Como a voz popular afirma, metemos o rabo entre as pernas e fomos lavar os nossos cérebros. Resta dizer que ali cairam definitivamente as restrições de carácter moral, o Dr. Roque Laia lá nos corrigiu alguns aspectos menos bem elaborados e vimos aprovados os nossos estatutos em sede notarial.  

Assim aprenderam alguns jovens universitários de Peniche, com um velhinho de lacinho às pintinhas qua a moral é a pior das torturas a que se pode submeter um ser livre.

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