O QUE É A
MORAL?
No inicío da
década de 70 do século passado foi extinto em Peniche pela Direcção de então da
Associação Recreativa Penichense, o Círculo de Iniciação Cinematográfica da
Associação, mais conhecido como CICARP. A referida Direcção formada por
militantes e simpatizantes da Acção Nacional Popular, considerou (e bem) que o cineclube
mais não era que um pretexto para espalhar ideias e pensamentos de oposição ao
regime do Estado Novo de Salazar/Caetano.
Sem espaço
para difundirmos uma acção cultural dinâmica e progressista no tempo de então
iniciou-se um conjunto de encontros no café Império em Lisboa, onde estudavam a
maioria dos jovens de Peniche que impulsionaram o CICARP, para tentar encontrar
um meio nosso e que não dependesse de vontades qua não a nossa. É então que é
lançada a ideia de uma Cooperativa Livreira que ao mesmo tempo que pudesse dar
apoios económicos aos seus associados, fosse um meio difusor de novos
movimentos que se desenvolviam por toda a Europa, África e América. Sem esquecer
o Vietnam, sempre presente nos pensamentos das forças progressistas.
Em tempo
oportuno o Carlos Vital iniciou a elaboração de uns estatutos para a
Cooperativa nos moldes da Livrelco que para nós todos, estudantes
universitários era um modelo a perseguir. Para nós o Artº 2º dos estatutos
elaborados era um ponto de honra: “dar acesso aos sócios dos artigos de
consumo para as suas necessidades”. Aqui cabia tudo e não queríamos abdicar
daquele valor.
Foi então
que alguém se lembrou de um advogado de esquerda, à altura Presidente da
Associação de inquilinos Lisbonenses, que era um especialista nesta área dos
estatutos e autor de um livro muito consultado sobre reuniões de Assembleias
Gerais. Tanto quanto me lembro fomos ao escritório dele eu próprio, a Adelaide
e o Carlos Vital e tanto quanto me recordo o Adelino leitão. Fomos recebidos
por um “velhinho” profundamente simpático e de laço às pintinhas.
Explicámos-lhe ao que íamos e demos para as suas mãos os nossos tão
exaustivamente elaborados estatutos. Ele leu, andou para a frente e para trás
algumas vezes enquanto olhava para nós e às tantas, voltou à página inicial e
não mais passava à frente enquanto sublinhava o que não sabíamos na altura.
Até que
pousou as páginas que tínhamos elaborado e diz-nos com aquele ar que só pessoas
líderes e plenas de autoridade conseguem:
“- Tudo isto estaria muito bem,
embora necessite de algumas correcções, se não fora este artigo em que os
senhores dizem que só pode ser sócio da cooperativa quem for moralmente idóneo.
O que é isto da MORAL? Atirou-nos ele. Estão a meia hora do aeroporto. A 3
horas de países em que um homem pode casar com quantas mulheres quiser. Outras
tantas horas de países em que homens podem viver com homens e mulheres com
mulheres. De países em que um rapaz para atingir a maioridade tem de roubar sem
ser apanhado. Qual de vocês estabelece quem é moralmente idónio e o que não
pode fazer para segundo a vossa perspectivas não deixar de o ser?Assumam-se
sobre o que querem ser como pessoas e depois voltem cá”.
Como a voz
popular afirma, metemos o rabo entre as pernas e fomos lavar os nossos cérebros.
Resta dizer que ali cairam definitivamente as restrições de carácter moral, o
Dr. Roque Laia lá nos corrigiu alguns aspectos menos bem elaborados e vimos
aprovados os nossos estatutos em sede notarial.
Assim
aprenderam alguns jovens universitários de Peniche, com um velhinho de lacinho
às pintinhas qua a moral é a pior das torturas a que se pode submeter um ser
livre.
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