RECORDAR OUTROS TEMPOS
Em conversa com uma pessoa amiga radicada há mais de 60 anos em Peniche, falámos dos hábitos e costumes de que se recordava da terra onde nasceu. Hoje já com setenta e muitos anos, estranha recordar-se de coisas passadas quando era uma menina pequena e se juntava ao borralho com a irmã a fazer companhia à mãe que passajava meias e roupagens já que o dinheiro dava para muito pouco. O pai na lida do mar era uma figura venerada mas pouco presente.
Recordava a mãe a cantar cantigas de então, que elas trauteavam numa tentativa de um coral caseiro que preenchesse as noites frias e desoladoras de uma terra perdida num litoral pouco conhecido sem futuro nem esperanças.
Um dia ouvia a mãe trautear um verso que nunca mais esqueceu. Convictamente católica até hoje, estranhou os versos e como uma melopeia disse-mos numa tentativa de que talvez eu percebesse melhor o seu significado ditos por uma mãe que os deve ter aprendido num tempo naquela altura já passado.
Ela terá ouvido a mãe a dizê-los nos anos 40. Se já vinham detrás não custa admitir que para chegarem àquele lugar esconso teriam percorrido um largo tempo. Localizo a sua origem no advento da 1ª República e transmitidos de boca em boca por cantores de rua que na altura proliferavam para ganharem uns cruzados.
Os versos são de uma enorme sátira social. Ao mesmo tempo justificam a animosidade de alguns republicanos para com grupos de pressão que ao tempo tinham vida privilegiada num país paupérrimo. Os versos se serão hoje embaraçosos de ouvir imagino-os na época ditos por uma mulher pobre e do povo e ouvidos por uma criança sem horizontes.
O que daqui relevo é que se nessa altura éramos um país miserável, com razão ou sem ela haveriam pessoas que não perdiam a capacidade de satirizar e de serem mordazes. Hoje somos um povo entristecido e de coluna dobrada, que aceitamos de forma servil toda a subserviência que de nós exigem.
Mas para que percebam esta crónica de hoje, aqui vão os versos que me espantaram:
“Não entres na Igreja oh cavador,
É falsa a religião dessa canalha.
Os santos são de pau não têm valor,
Valor só se dá a quem trabalha.”
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