UMA FOTOGRAFIA
No final dos anos cinquenta, início dos anos sessenta, em Peniche terra extremamente fechada e sem muitos horizontes, os jovens eram sobretudo atraídos pelo futebol, pelo hóquei e pela frequência das praias em pleno verão.
Uma vez por ano em bandos, rapazes e raparigas iam até ao pinhal em quinta-feira de espiga.
A escola era uns quantos edifícios espalhados pela península, que marcavam as características dos alunos que a frequentavam. Todos tinham a marca de terem ou não sido alunos na escola da Tracoma ou na escola velha. E estas coisas já eram à partida um bocado discriminatórias. E depois haviam os alunos da admissão e os das mulatas com a carga psicológica que isso representava. Os primeiros eram os filhos da classe média da terra. Os segundos eram o símbolo das vítimas da violência.
E havia a Escola Industrial e Comercial, fruto da insistência e empenho do António Bento e do Padre Bastos que nesta matéria fica sempre um bocado esquecida a sua participação.
Em Peniche nessa altura havia a GNR, a PSP, a Legião, a Mocidade Portuguesa, a Guarda-fiscal, a União Nacional e a PIDE. Uma terra tão pequenina onde cabiam tantas coisas consagradas a resguardar a Lei e a Ordem.
Nesse tempo os bailes do Clube, da Associação e do Esfrega marcavam as diferenças sociais e culturais. O futebol aos Domingos era o espaço de despejo das preocupações e frustrações quotidianas.
Mas se para os rapazes e homens dessa época o dia-a-dia era um exercício de criatividade para ultrapassar a monotonia de se viver nesta ilha vazia de oportunidades e de distracções, para as raparigas e mulheres era o drama da não-existência. Estas viviam confrontadas com o “parece mal”, e com a maledicência costumada. Por dá cá aquela palha destruíam-se reputações e sonhos.
Para todos havia na altura sempre uma luz de esperança. As iniciativas do Padre Bastos. As organizações de jovens e de adultos que permitiam a todos e a todas consagrarem-se a mais qualquer coisa sem ser o lento arrastar quotidiano. Eram os grupos de acólitos (nessa altura só rapazes), a JOC, o Teatro, o Hóquei e a Catequese (esta mais um trabalho das raparigas e mulheres).
Numa das muitas aventuras que desenvolvo agora nos meus velhos papéis, fui encontrar uns negativos da máquina fotográfica velhinha da casa de meus pais. Por curiosidade mandei revelá-los. Uma dessas fotografias tinha sido tirada junto à porta lateral da Igreja de S. Pedro (que agora já não se abre e tanta falta faz aos idosos), e reunia um grupo de catequistas com uma prima minha que residia em Lisboa e que aqui tinha vindo passar uns dias. É uma fotografia de gente bonita e sorridente, com um ar saudável e de esperança. Gente bonita da minha terra num tempo em que tudo parecia tão sem graça nenhuma. Em alguns destes rostos percebe-se a confiança no futuro e em si próprias. Todas elas (com excepção de uma) já desaparecidas.
E ao olhar para esta foto sinto que quem a tirou me fez um favor. Permitiu-me recordar com saudade de um tempo em que naquela altura eu não percebia a beleza dos dias. Gosto tanto daqueles rostos bonitos e sãos. Fica para todos vós esta imagem tão linda. E aquela menina que aparece no lado direito da foto e que se introduziu no grupo sem ninguém dar por isso…
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