terça-feira, março 27, 2012

A BARBEARIA
Desde que me conheço, com algumas dispersas excepções, sempre frequentei a mesma barbearia. A do Largo 5 de Outubro em frente ao hospital. Primeiro com o Sr. António Bolas, depois com o meu amigo e antigo vizinho Luís, e agora com o seu filho Fernando, o filho deste e o meu bom amigo Zé. São já 4 gerações de barbeiros que ali conheço. Recordo ter feito umas incursões pelo Jacinto “Lota”, que aqui recordo com muita simpatia, e pelo Orlando em dias em que me apetece o lúdico pelo lúdico.
A minha Barbearia não tem nome. Isto é, tem tido o nome dos seus proprietários. Isso diz tudo. Identifico-a com o espírito e a personalidade de quem lá trabalha.
Também por isso a minha escola de Barbearia é definitivamente aquela. Nem sempre é fácil entrar a porta. Em dias de sol aglomeram-se ali clientes e amigos em amena cavaqueira, num estar de fazer parar o tempo, como se de um porto de abrigo se tratasse.
Nem sempre é fácil saber qual o nosso lugar na fila de espera. Amigos entram por ali dentro, sentam-se, conversam e é preciso perguntar para sabermos o tempo de espera. Eu, que não tenho grandes preocupações com o corte de cabelo (e agora muito menos), basta-me esperar que o primeiro de entre os dois esteja liberto para me sentar numa qualquer cadeira.
O tempo de espera e o tempo em que me libertam dos pelos “cabeçais” é uma escola da vida e do pulsar da nossa terra. Entre eles dois e os amigos, ou com os clientes entre si, estabelecem-se os mais diversos diálogos entre risos e dichotes, entre “sacanagens” amigas e discussões acaloradas sobre pescas, mar e barcos e angústias para quem vive um presente sombrio e um futuro pouco risonho,
Benfiquistas, Sportinguistas, Portistas e por vezes um outro adepto do Belenenses, envolvem-se em amigáveis disputas sobre os méritos de cada um dos seus clubes de preferência. E, se um outro por vezes sai porta fora com o rabo entre as pernas, é certo e sabido que no dia seguinte ali regressa na esperança de se poderem desforrar.
O Fernando com um ar intelectual e um saber de muito ler, com um humor corrosivo, vai demolindo os argumentos que mais lhe apetecem de momento, deitando achas na fogueira, sem se preocupar muito se há um bombeiro por perto.
Na minha barbearia apercebo-me da “voz popular” que circula em cada momento. O que as pessoas gostam ou não, ou do que as deixam indiferentes. Na minha barbearia eu estou em minha casa e aprendo a calar-me e a ouvir. A minha barbearia é frequentada por gente de todas as classes sociais, mas ali somos todos iguais porque só aos barbeiros é conferido o direito de nos porem uma navalha ao pescoço.
De vez em quando a minha barbearia renova-se interiormente. Mas sem exageros. Ninguém pretende mais do que aquilo que nos é oferecido. Um lugar de convívio e de fraternidade. Um “Centro de Dia” para todas as idades.
Há quem lá vá só para dar a salvação. Há quem ali vá para vender as suas tecas de peixe. Contam-se ali histórias de caçadores e de pescadores. As revistas vão-se renovando, mas importante é conversar.
Faz bem à saúde cortar o cabelo na minha barbearia. Sai mais barato que ir ao médico e sai-se de lá de alma lavada. Ao Fernando e ao Zé e a todos quantos os antecederam, o meu obrigado muito sincero pelo espírito de tertúlia que têm defendido na velha barbearia do Largo do Hospital. Uma terra vive dos espaços que preservam a sua identidade. Vocês já são cidadãos de mérito de Peniche.

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