quinta-feira, março 15, 2012

UMA NO CRAVO, OUTRA NA DITADURAEste título foi nome de revista pós o 25 de Abril. Era uma revista crítica aos tempos do Estado Novo, e ao mesmo tempo a acontecimentos próximos do período “revolucionário”. 25 anos depois, algumas dessas mordazes criticas revisteiras vieram a verificar-se correctas, e outras, manifestamente estúpidas.
Vem isto a propósito das “modas”. Não falo das modas do vestir e do calçar. Nem das modas dos cabelos ou do falar. Falo das modas sobre o que é socialmente correcto ou não. Para isso, e para que melhor percebam onde quero chegar, vou conversar um pouco convosco sobre os meus idos dos anos 50.
Nesses tempos o meu avô Benjamim, radiotelegrafista reformado por doença e funileiro, deu a alma ao criador. A minha avó, Guilhermina “Baterremos”, cangalheira, ia vendendo os seus caixões. O meu pai, mecânico de automóveis trabalhava sem horário, e a minha mãe costurava para fora e ensinava o corte e costura a raparigas de Peniche, Ferrel e Atouguia da Baleia.
O meu avô, filantropo por sua natureza, desenvolveu alguns negócios que correram mal e às tantas tínhamos todos os nossos bens penhorados a um agiota desse tempo. Foi a altura de inventar maneiras de em conjunto salvarmos tudo o que pudesse ser salvo.
Um dos processos encontrados foi produzir “chumbicas”. As chumbicas eram uns rolos de chumbo que se colocavam entre as bóias de cortiça, nas redes de pesca, para poder permitir a pesca do cerco. O meu avô instalou no quintal uma fornalha, com uma caldeira por cima onde se derretia o chumbo. Havia um molde para onde se derramava o chumbo em fusão, esperava-se um pouco, abria-se o molde e lá apareciam as chumbicas que se tiravam com uma tenaz para um tabuleiro. Depois, quando arrefeciam, cortavam-se as rebarbas e limavam-se arrestas para que estas não cortassem as redes. Depois de tudo pronto, vendiam-se aos armadores directamente ou às casas de Aprestos Marítimos existentes na altura.
Como o meu avô estava impossibilitado de trabalhar, e a minha avó fazia rendas de bilros e forrava os caixões, o fabrico das chumbicas estava reservado para mim e para o meu irmão, miúdos de pouco mais de 10 anos, sem muito gosto e mesmo com algum azedume. Isto tudo depois das aulas, aos fins de semana e nas férias.
Passados alguns anos, (já não sei quantos), a minha avó começou a criar uma galinha na capoeira do quintal. É que se aproximava o pagamento das últimas prestações da penhora.
E no dia em que se cortaram as goelas à galinha e ela foi para o forno, foi dia de festa no nº 46 da Rua Joaquim António de Aguiar. Nunca mais comi nenhuma galinha que me soubesse tão bem como aquela.
Passado algum tempo acabaram-se as chumbicas, para grande alegria minha e do meu irmão.

Nos idos 50 não era moda falar de trabalho infantil. E era bom comer galinha que era criada com sêmeas e milho. Fruto do trabalho de todos.

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