FADO PENICHE
Num dos Natais passadosl foi editada 40 anos depois uma versão em CD, de um disco de Amália que ficou conhecido como “O Busto” pela reprodução na capa dum busto da fadista esculpido por Joaquim Valente.
Este disco tem a particularidade de numa faixa Amália cantar um poema de David Mourão-Ferreira (Abandono) que ficou conhecido para a posteridade como o “Fado Peniche” e que a seguir transcrevo:
Por teu livre pensamento
foram-te longe encerrar.
Tão longe que o meu lamento
não te consegue alcançar.
E apenas ouves o vento.
E apenas ouves o mar.
Levaram-te a meio da noite:
a treva tudo cobria.
Foi de noite, uma noite
de todas a mais sombria.
Foi de noite, foi de noite,
e nunca mais se fez dia.
Ai dessa noite o veneno
persiste em me envenenar.
Oiço apenas o silêncio
que ficou em teu lugar.
Ao menos ouves o vento!
Ao menos ouves o mar!
Para quem gosta de poesia e de fado, para quem é de Peniche, é particularmente grato que a Mulher que foi Amália tivesse cantado este Fado que tão bem descreve a dor dos que ficaram esperando os seus familiares e amigos, detidos em nome da tirania na Fortaleza de Peniche.
A minha terra durante muitos anos foi símbolo do que mais sinistro pode o poder político criar para se perpetuar. Ouvir este fado na voz de Amália faz-me recuar no tempo e pensar no amargo calvário que nos tornou conhecidos no mundo. E por mais que se tentem apagar os gemidos de dor e saudade que as nossas muralhas escutaram, ainda hoje os fantasmas desse tempo nos perseguem. Por tudo o que foi o tempo que vivemos, merecíamos agora mais e melhor. Mas o nosso fado ainda não acabou...
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