segunda-feira, março 01, 2010

AS CÉGADAS
Quando desenvolvia actividade profissional diária, julgava que não tinha tempo para ler por estar ocupado noutras coisas. Agora que os meus dias são uma sucessão de momentos de relaxe continua sem tempo para ler com a regularidade que desejava. Vem isto a propósito de só ontem ter lido a revista “NS” que acompanhava o DN de 13 de Fevereiro. Nela vinha um artigo sobre a Festa Carnaval à Antiga, de Ana Pago, que tem que ver com o que aqui escrevi sobre o Carnaval deste ano em Peniche e um dos comentários de uma penicheira da diáspora que recordava as “cégadas”.
Nesse artigo da “Notícias Sábado”, vem um conjunto de fotografias de carnavais de Lisboa, Cascais, Torres Vedras e Ovar entre os anos de 1926 e 1962. Uma dessas fotografias tem muito a ver com as gentes de Peniche e aqui a reproduzo com a devida vénia ao DN (trata-se de uma foto do arquivo do jornal) e à autora do artigo: As figuras representadas são um Nazareno e uma Nazarena. Ele o Tóino da Velha com a inseparável concertina. Ela (o Manelinho das Lagostas). Duas figuras ímpares de que os mais velhos se lembram ainda.
Õ Tóino da Velha, meu tio-avô e avô da Gracinda, artesã muito conhecida entre nós, todos os anos no Carnaval saia à rua a tocar com o seu amigo travestido. E corria assim o país. Era realmente o tempo das cégadas. Que se tornam impossível fazer voltar a viver. O que agora mais se aproxima desse tempo é o Grupo “Vai Sempre”. Que exerce o direito a uma critica mordaz, sobre temas locais ou nacionais.
Mas compreende-se a impossibilidade de fazer reviver os grupos dos anos 50 e 60. Peniche era então uma terra pequena em que todos se conheciam. Os namoros não consentidos, as fugas aos pais dos namorados, as traições de casais, eram assunto que assim que se davam extravasavam em toda a vila. O portão de Peniche tinha um veículo de informação que eram os “filhos da T´Elisa”, que garantiam que no dia a seguir a tudo acontecer, a Ribeira Velha já sabia das notícias.
As “cégadas” eram uma consequência directa das conversas de escárnio e mal-dizer que circulavam entre os Bailes da Associação de domingo, os cafés, o mercado, a mercearia, barbeiros e as almofadas das rendas de bilros.
E quando a cegada ia para a rua e parava na Ribeira para as “cantadas”, ou no largo do Jardim, ou nos Bairros, eram umas dezenas de pessoas que se juntavam à volta para ouvir e rir.
Hoje ninguém conhece ninguém. E o que eram usos e costumes morais, perderam o seu significado. E são milhares de pessoas que se juntam para ver os desfiles. Deixaram de existir condições para os grupos espontâneos se formarem, serem ouvidos e terem graça. Não lamento este tempo que já não volta. Embora pense que alguma coisa possa ser feita para caricaturar costumes e atitudes.
Serão os responsáveis do desfile os primeiros a poderem acarinhar esse desafio de forma criativa. E o que se perder em espontaneidade, pode ganhar-se em capacidade de fazer reviver o espírito carnavalesco.
Embora eu não acredite que isso vá acontecer.

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