sábado, maio 05, 2007

OS CAMINHOS DA AUTONOMIA
“As Associações de Escolas
Em 2001 fomos convidados para apresentarmos em Lisboa no Auditório da Escola Superior de Comunicação Social perante as estruturas centrais do Ministério da Educação, a nossa experiência como gestores da Escola EB-2.3 da Atouguia da Baleia. O texto é um pouco extenso para um blog (?), mas num tempo em que toda a gente "palreia" sobre educação pareceu-me interessante ressuscitar esta experiência. Para que conste. E não está tão desatualizado como a mera indicação de datas pode fazer supor.
Ex.mos Senhoras e Senhores, responsáveis pelas diferentes estruturas do Ministério da Educação

Minhas senhoras:
Meus senhores:
Quando há 5 anos precisamente feitos agora, recebemos um edifício novo, com cadeiras e mesas, algum equipamento, umas quantas esferográficas e alguns quilos de papel em branco, para instalar uma Escola, olhámos uns para os outros e decidimos ali mesmo, no momento de começar a nossa actividade que o nosso objectivo prioritário seria o de lhe criarmos uma alma. Aquele edifício vazio e frio, cheio de ecos e de humidade do cimento ainda fresco, seria, teria que ser, um espaço de Alegria e de Amizade, que teria de influenciar para o futuro as gerações de alunos que ali passassem.
Assim é que metemos mãos à obra em dois sentidos dominantes: Partir em busca de uma identidade que nos unisse, descobrir o que poderíamos aprender que nos tornasse úteis num concelho em recessão económica e de graves carências sociais. Para levar a cabo a primeira das tarefas construímos no primeiro ano de existência o nosso Projecto Educativo, com o apoio de professores, alunos, funcionários, Associação de Pais, Câmara Municipal e Junta de Freguesia, Equipa de Educação Especial e Delegação Escolar.
Para levar a cabo a segunda tarefa, durante o primeiro ano de existência fizemos a avaliação dos saberes dos nossos alunos, dos seus valores e cultura geral, das suas motivações e aptências, do mundo laboral que determinava a área de influência da Escola, das saídas sócio profissionais e escolares possíveis, das dificuldades e carências das escolas do 1º Ciclo que nos enviavam os seus alunos, dos apoios institucionais a solicitar quer ao CAE/Oeste, quer à DREL.
Escusado será dizer que no final do 1º ano de existência, tínhamos a consciência de que a constituição de turmas tinha que ser alterada, havia que aprofundar relações quer com as Escolas Básicas do 1º Ciclo, quer com a Escola Secundária, teríamos que fazer adaptações curriculares, alguns alunos embora integrados, teriam que passar por uma formação pré-profissional e que ... a rua, a vila, a população, os pais e encarregados de educação esperavam de nós mais e melhor.
Assim, no segundo ano iniciámos a assinatura de protocolos de colaboração com o CREAP (Centro de Reabilitação Profissional de Peniche), CENFIM, FORPESCAS, com Empresas da Área de influência da Escola, para a integração e Formação Profissional de alunos que com mais de 15 anos tinham como expectativa a inserção na vida activa..
Lançámos protocolos de colaboração com a Delegação Escolar e com a EB-1 de Atouguia da Baleia, no sentido dos alunos do 4º ano de escolaridade da vila, passarem a trabalhar na nossa escola as actividades de expressão físico-motora e a iniciação à Língua Estrangeira. Paralelamente disponibilizámos os nossos equipamentos gráficos e audiovisuais àquele estabelecimento de ensino. Iniciámos um projecto de interacção com a Junta de Freguesia no sentido de aquela Junta proceder à manutenção dos nossos parques ambientais e a Junta passou a utilizar os nossos equipamentos mecânicos na vila.
Acordámos com os empresários da área de influência da Escola na realização de um evento aberto à população de dois em dois anos com o seu apoio e suporte financeiro, a integrar nas Festas de Verão do Concelho de Peniche. E assim é que milhares de pessoas acorreram à Vila de Atouguia na realização da Feira Quinhentista e na Feira de Actividades Económicas.
Lançámos com o apoio da Escola Secundária de Peniche as actividades de integração dos nossos alunos naquele estabelecimento de Ensino, no âmbito do Projecto, “9º Ano e Agora?” e o processo de matrículas no 10º ano passou a ser da nossa exclusiva responsabilidade, sob a supervisão da Escola Secundária.
Iniciámos em colaboração com o Instituto de Reinserção Social a inclusão de jovens do Colégio de S. Bernardino que passaram a fazer o 3º ciclo na nossa Escola e tivemos alguns êxitos de que muito nos orgulhamos. Queremos destacar aqui o apoio que sentimos da Associação de Pais que sempre nos apoiou nesta iniciativa e que embora atenta à situação destes jovens em risco, nunca tomou qualquer atitude xenófoba ou fundamentalista nesta matéria.
E minhas senhoras e meus senhores o tempo corria e a nossa Escola deixou de ser um espaço fechado, para passar a ser um local onde os pais e as famílias passaram a acorrer para resolver os seus problemas. Com a ajuda da Junta de Freguesia e da Câmara Municipal, com a colaboração dos Rotários e da Delegação da Cruz Vermelha, com contributos de cidadãos anónimos e de pequenas e médias de empresas, colaborámos na construção de casas de banho em casa dos nossos alunos, reforços alimentares, aquisição de vestuário, etc.
Com a colaboração de médicos residentes na Atouguia passámos a ter médico Escolar na Escola, desenvolvendo a temática “Educação para a Saúde” que o Centro de Saúde por falta de Recursos humanos não podia desenvolver. Com o apoio de uma companhia de Seguros, fizemos um Seguro de Responsabilidade Civil que abrange todos os nossos alunos, professores e Funcionários, que começa onde termina o Seguro Escolar. Com o apoio da Câmara Municipal, da Assembleia Municipal e da Junta de Freguesia, fizemos um Protocolo de transferência de competências para esta última e para a Escola no que respeita ao Pavilhão Gimnodesportivo e este hoje sem sobressaltos está efectivamente ao serviço da Comunidade, e esta é uma parte importante no seu aproveitamento em pleno.
Com o apoio do Centro de Formação de Professores de Peniche iniciámos acções de Formação para os Professores do 1º Ciclo e Educadores de Infância da àrea de influência da Escola e com eles colaborámos na execução dos Projectos Educativos das suas Escolas.
Lançámos mãos ao Despacho Conjunto do ME e do MEQP e iniciámos a aprendizagem das Rendas de Bilros na nossa Escola, actividade que faz parte do Património Cultural do nossos Concelho, que no seu 1º ano contou com a participação de 130 alunos e que contou com o apoio da DOCAPESCA, SA, que para nós adquiriu almofadas e bancos, indispensáveis a esta aprendizagem.
E ... estávamos nós muito descansados a fazer estas coisas, quando surgiu o Despacho Normativo 27/97. Reunimos com os nossos colegas do 1º Ciclo e conversámos sobre isto. E chegámos a uma conclusão. Este instrumento legal não era mais do que a institucionalização daquilo que entre nós, na Área Rural do Concelho de Peniche, mais coisa, menos coisa, já vínhamos a fazer. Aí decidimos avançar. Solicitámos o parecer da Câmara Municipal de Peniche que em sessão ordinária deliberou apoiar-nos na nossa iniciativa. Quando enviámos a proposta ao CAE, este chamou-nos a atenção para o facto de estarmos coxos. Faltavam-nos os Jardins de Infância da rede pública.
Mais um encontro, este com a presença do Sr. Coordenador e aqui estamos hoje todos juntos a falar do caminho que trilhámos para aqui chegar.
Como a canção podemos dizer: “viemos de longe, de muito longe. O que nós andámos para aqui chegar...” Hoje somos 157 crianças dos Jardins de Infância, 449 alunos do 1º Ciclo, 690 alunos do 2º e 3º Ciclo. Somos 109 professores e 60 funcionários. Representamos toda a área Rural do Concelho de Peniche. Freguesias da Atouguia da Baleia, Ferrel e Serra d’ El-Rei.
Que ao longo de 5 anos se foram conhecendo e aproximando e trabalhando em conjunto. Que se aperceberam que isoladamente não existem. Que aprenderam a confiar nas suas capacidades e na força que unidos podem ter para poderem realizar a sua actividade profissional de forma mais harmoniosa e consequente.
Diria que muitos são os caminhos da autonomia. Para nós foi o da identidade. Conhecermos e amarmos a nossa terra e identificarmo-nos com ela. Conhecermo-nos uns aos outros. Conhecermos e identificarmo-nos com o meio em que trabalhamos. Aprendendo os seus valores, a sua cultura e a natureza dela. Podíamos dizer que o nosso Projecto de Autonomia, consubstanciado neste momento numa capacidade organizacional, está a dar os seus primeiros passos. Por agora, reconhecida que foi a nossa identidade colectiva, vamos assumir essa responsabilidade e solidariamente desbravar os sinais de esperança que se abrem para nós. Vamos partir para a obtenção de um Projecto Educativo comum, no fundo transcrever em sinais e símbolos aquilo que, numa concepção sartriana já vai sendo a nossa “práxis”.
Iremos aprofundar as nossas relações com os Jardins de Infância e as Escolas do 1º Ciclo, oferecendo-lhes meios e colaboração e delas recebendo o conhecimento e o saber que irão permitir uma integração adequada e facilitadora das crianças na nossa Escola.
Iremos criar condições que permitam acções de Formação conjuntas visando a adequação dos saberes ao meio em que vivemos.
Iremos colaborar em planos de actividades complementares que racionalizem meios e recursos. Iremos estudar e implementar um Regime de Funcionamento do Conselho Pedagógico da Associação de Escolas que permita uma interacção entre pares e iguais nos vários níveis de Ensino. Começaremos por aqui a trilhar os nossos caminhos agora comuns.
Não sabemos aonde isto nos levará. Queremos ser capazes de sentirmos o espanto e a surpresa.

Minhas senhoras
Meus senhores
Perdoem-me as dúvidas e a incapacidade de saber dizer-vos mais. Não sei os limites da alma, nem do amor que sinto pela minha profissão. Não sei do que professores, funcionários, alunos e pais e encarregados de Educação são capazes de fazer quando unem esforços para lutar pelas nossas crianças e jovens. Ali, na Atouguia da Baleia, concelho de Peniche passa um rio onde construímos uma Barragem. É um pequeno rio, um riacho que não figura senão nos mapas militares. É o Rio de S. Domingos.
Este rio, a nossa Atouguia, a sua Associação de Escolas, O Ministério da Educação com o seu tamanho todo, aquilo que outros são capazes de fazer muito melhor e com mais qualidade do que nós, tudo isto é um bocado daquilo que o Poeta dizia:
“O Tejo é mais belo belo que o rio que corre pela minha aldeia,/Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”

Não nos faltem as forças, porque temos a coragem das nossas convicções.

Muito obrigado pela vossa paciência

1 comentário:

Maria Costa disse...

Hoje digo com toda a certeza: tenho MUITO orgulho nas minhas escolas: primária do Filtro e na Atouguia. Foram elas que me construíram, ensinaram e apoiaram. Tenho orgulho nas escolhas que os meus pais fizeram. Sinto-me feliz por todos os professores que tive, o que não implica que goste de todos e que todos fossem bons professores, mas pelos menos aprendi a não ser como eles, bem como aprendi a ser como todos os outros bons professores que tive. Sei que tenho o percurso académico que tenho, assim como os valores, porque me construíram desta forma que sou. Podia ser muito melhor, mas como também podia ser muito pior: sou feliz por ser assim. Sou feliz por os meus AMIGOS serem os da Atouguia e só por isso valeu a pena a escola de que se fala ter sido construída com tanto amor.

P.S.  recordo-me com alegria: o meu primeiro dia de aulas, as GRANDES campanhas de Natal, os intervalos, as aulas, os funcionários, os professores, as aulas de teatro, o Clube da Natureza, o Jornal da Escola, a biblioteca, as visitas de estudo, a Minha Missa de Finalistas e claro “a nossa praia” (que deixamos marcada quando nos viemos embora). Fui do 5ºD, 6ºD, 7ºA, 8ºA e 9ºA (e não imaginam o que isso significa para mim e a quem estas turmas pertenceu).